AS TRÊS ENCARNAÇÕES

 

Vitor de Athayde Couto

 

PRIMEIRA ENCARNAÇÃO

Jovem, solteira e muito bonita, atravessa a rua, segue pela direita e logo encontra a sua alma gêmea. O tão esperado grande amor preenche sua carência primitiva por afeição. Poucos dias depois, sem saber que está grávida de uma menina, conhece o inferno.

Psicólogos e outros psis ainda não descobriram por que certos homens ficam mais valentões quando a mulher está grávida. Quem sabe, talvez seja a oportunidade de maltratar, ao mesmo tempo, dois seres frágeis. Ou, como se costuma dizer: matar dois coelhos indefesos com apenas um chute, ou um soco, tendo gritos e xingamentos como trilha sonora. É quando o milagre da vida real se confunde com novelas, ops, séries.

Dedicada ao projeto de maternidade, infelizmente, no sexto mês de gravidez, o chute definitivo levou mãe e filha à morte.

SEGUNDA ENCARNAÇÃO

Novamente jovem, bonita e solteira, atravessa a mesma rua, dessa vez segue pela esquerda e não encontra ninguém. Sem saber como e porque, desde o nascimento, sua carência primitiva fora preenchida pelo milagre do amor. Continua solteira. Dedica-se a orar e meditar. Longe de religiões terrenas, fala diretamente com Deus, acreditando ser Ele uma luz de onde emanam boas energias. Trabalha para sobreviver corretamente. Dignamente. Estuda música e outras artes. Cuida do corpo e do espírito por toda a vida, até seu último dia.

Morreu dormindo, com um livro na mão relaxada sobre a cama. Morreu com a mesma paz que lhe havia sido atribuída desde o nascimento.

TERCEIRA ENCARNAÇÃO

Mais jovem ainda, atravessou a rua. Seguiu pelo caminho do meio, onde foi atropelada por um ônibus. Sua carne nada sentiu. O motorista, ainda muito perturbado, nem precisou prestar socorro àquele corpo que continua andando normalmente – como se nada tivesse acontecido.

Não consta que ela tenha feito milagres. Em vida, dedicou-se apenas a amar e ajudar o próximo. Ficou encantada, mas nunca morreu na memória do povo.

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