Dinheiro e sexo são dois dos assuntos que movimentam a humanidade. Por isso, quando o bilionário Elon Musk disse que não fazia sexo há “séculos”, o mundo recebeu a notícia com espanto e humor.

O empresário fez a afirmação como defesa à notícia de ter tido um “affair” com Nicole Shanahan, ex-mulher do cofundador do Google Sergey Brin. A forma como a sociedade respondeu à afirmação do CEO da Tesla e fundador da Space-X reacendeu o debate: é possível ser feliz sem sexo?

A verdade é que muitas pessoas hoje vivem sem transar, seja por opção ou pela sua orientação sexual. A letra “A”, da sigla LGBTQIA+, por exemplo, corresponde aos assexuais, aqueles que não sentem atração sexual por outras pessoas. O grupo pode viver sem sexo e, ainda assim, se relacionar romanticamente.

A vendedora Diane Barbosa dos Santos, 22, é assexual e nunca sentiu falta. “Sempre tive aversão a fazer sexo, só de imaginar no assunto me causa uma náusea enorme e muita irritabilidade”, conta. Romanticamente, ela é homossexual e chegou a ter medo de ficar sozinha.

“A visão de mim no futuro sem um parceiro para amar e confiar me deixou preocupada. A solidão não parecia muito agradável, mas hoje em dia, com muita reflexão, aceitei melhor. Se tiver a sorte de achar alguém que me aceite do jeitinho que eu sou, vai ser bom. Se não achar, posso viver de boa com isso”, afirma a vendedora.

Ela chegou a ouvir de colegas que ficar sem fazer sexo fazia mal à saúde. “Nós, assexuais, somos pessoas normais, que simplesmente não nutrimos predileção por sexo e está tudo bem. Não estamos fazendo mal para ninguém e merecemos respeito.”

Henrique Arenare, professor da FCMMG (Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais) e médico psiquiatra do Hospital Mater Dei, afirma que o desconhecimento gera espaço para o preconceito e a exclusão.

“Nossa sociedade ocidental é altamente sexualizada e isso é muito presente na mídia. Além disso, há um grande desconhecimento de parte da população sobre o que é, por exemplo, a assexualidade. Isso tudo, gera uma pressão muito forte em indivíduos para se encaixarem no padrão sexual tradicional”, afirma Arenare.

Segundo o médico, há um espectro de variações entre os assexuais e quando há sofrimento pode ocorrer o desenvolvimento de quadros de transtorno de ansiedade ou depressão. Ele afirma que a assexualidade precisa ser melhor divulgada como identidade sexual.

“Quando uma pessoa que é hetero/homo/bissexual decide não fazer sexo, podemos dizer que está em abstinência sexual. Ou seja, ela sente atração sexual, mas por algum motivo decide parar. Já a assexual tende a não ter relações sexuais por não sentir interesse.”

Diferente dos abstinentes -que não têm um par- ou celibatários -que optam por não fazer sexo por motivos religiosos e filosóficos- alguns assexuais chegam a ter relações e praticam a masturbação.

Outros chegam a fazer sexo para ter filhos ou manter um relacionamento romântico. É o caso de Isabela (nome fictício), 24, que se descobriu assexual aos 12 anos. Há 4 anos ela vive um relacionamento heterossexual por ter envolvido-se romanticamente com uma pessoa.

“Assexual não significa ser celibatário, não é porque é assexual que não vai fazer sexo. É o que nos diferencia do celibatário. Existem os que sentem repulsa, mas não são todos”, disse Isabela. Segundo a gestora, o assexual pode fazer sexo por diversas razões sem sentir atração sexual. “A gente só não sente atração, mas pode sentir amor pela pessoa, estar apaixonado e isso já é motivo suficiente para alguns.”

Ela também diz que usar o termo “assexuado”, além de incorreto, também é ofensivo. “Assexuado é uma espécie que faz reprodução sem liberação de gametas. Literalmente, subdivide para procriar. A gente se sente uma bactéria!”, diz a gestora.

Já a microempresária Kátia Regina Aiello, 58, viveu diversos relacionamentos, mas está há 8 anos sem sexo por falta de um par – ela não é assexual.

“No começo fiquei em pânico com a possibilidade de não beijar a boca de alguém, de ter intimidade, mas depois percebi que ficar sem sexo dá uma estabilidade emocional que gera uma produtividade maior”, diz Aiello.

Segundo a empresária, há muita cobrança de amigos para entrar em um novo relacionamento. “Até eu aprender a viver sem alguém demorou, mas depois que parei com o sexo percebi o quanto não gostava [do jogo de sedução para encontrar alguém]”, diz Aiello. Ela faz terapia e disse que isso a ajuda a compreender quem é e ficar bem assim.

O médico psiquiatra Arenare lembra que não fazer sexo tem os benefícios como evitar IST (infecções sexualmente transmissíveis), mas que esta é uma consequência e não objetivo de quem é assexual. Para ele, mesmo com estudos sobre o efeito positivo do sexo, a saúde mental ainda deve ser priorizada.

“É importante trabalhar a autoaceitação e estabelecer grupos de apoio como comunidades virtuais de pessoas assexuais. Também é válido termos campanhas educacionais para combater o preconceito e desmistificar a assexualidade”, afirma o especialista.

Ele reforçou que pessoas de outras orientações sexuais podem desenvolver redução da libido em alguma fase da vida, mas que isso deve ser tratado como uma disfunção sexual e ser acompanhado por profissionais especializados.

“Neste caso, a pessoa sentia desejo sexual e passa a não sentir por alguma causa e tem grande sofrimento e prejuízo com isso. O sofrer do assexual, normalmente, não é por não sentir desejo sexual, mas pelo preconceito, exclusão e pressão da sociedade. Os dois devem procurar ajuda profissional para lidar com isso”, conclui Arenare.

Fonte: Folhapress