Por Alcenor Candeira Filho

o sol nas bancas de revista

me enche de alegria e preguiça

quem lê tanta notícia?

eu vou

(Caetano Veloso  –  “Alegria, Alegria”)

Em minhas reminiscências, se o assunto é venda de jornais e revistas, ocorre-me primeiramente o estabelecimento de José de Moraes Veras, o Zequinha da Coca-Cola, situado nas proximidades da praça da Graça, na rua Marechal Pires  Ferreira.

Quando criança gostava de ir à banca do Zequinha para me abastecer de revistas em quadrinhos e figurinhas colecionadas em álbuns. A “Revista dos Esportes” também me atraía. Zequinha comercializava só publicações novas. Quem queria revistas usadas e bem mais baratas visitava no Mercado Central a banca do Sr. Lira, um sessentão muito simpático com pelos plantados no corpo inteiro. Seu Lira vendia e permutava revistas em quadrinhos (Pato Donald, Mickey, cow-boy, Bolinha, Luluzinha), cordéis, livretos pornôs do Carlos Zéfiro e figurinhas ou supercromos tecnicoloridos para álbuns, como  “Os Dez Mandamentos” ,inesquecível filme de Cecil B. de Mille, estrelado por Charton Heston como Moisés, Anne Baxter como Nefretiri, Yul Brynner  como Ramsés II,  Yvone De Carlo como Sephora, Debra Paget como Lília, John DereK como Josué,  Edward G. Robinson como Dathan,  Sir Cedric Hardwick como Seth I, com total de 210 supercromos, que retratam a trajetória de Moisés, do nascimento à expulsão do Egito por decreto do faraó Ramsés II e o abandono nas areias de deserto quase infindo, com ração e água para um só dia. Depois, a imensa responsabilidade de conduzir seu povo a lugar incerto, a terras novas, à terra que seja só sua, sob impiedosa perseguição do exército comandado pelo faraó. A abertura do mar. O afogamento de militares egípcios. A subida ao Monte Sinai. O bezerro de ouro. A terra se abrindo e o bezerro de ouro e seus adoradores caindo no abismo que se abriu a seus pés. Lá em cima o fogo, a voz , as regras. Os Dez Mandamentos.  Moisés: braços abertos para o infinito, barba e cabelo longos e brancos, em cima do monte, na despedida de quem esconde para onde vai.

Outro álbum inesquecível, que conservo até hoje, é o constituído de 200 supercromos impressos – “Estrelas de Ontem e de Hoje”, retratando atores e atrizes brasileiros e estrangeiros que se destacaram na primeira metade do século XX e nos anos 60:  Ronald Golias, Anselmo Duarte, Grande Otelo, Oscarito, Ankito, Zé Trindade, Norma Benguel, Paul Newman, Elvis Presley, Audie Murphy, Robert Wagner, Natalie Wood, Anita Ekberg, Gina Lollobrígida, Anthony Quinn, Marilyn Monroe, Richard Burton, Marlon Brando, Rock Hudson, Gary Cooper, James Stewart, Glenn Ford, Kirk Douglas, Victor Mature…

O troca-troca de figurinhas era interessante e tinha suas regras:  qualquer pessoa podia chegar na banca do Lira com uma Gina Lollobrígida repetida e sair com um Anthony Quinn que lhe faltava no álbum.  Claro que havia supercromos mais raros que outros e na negociação dez figuras poderiam por exemplo ser trocadas por uma.

A banca do Zequinha só vendia envelopes lacrados com cinco figurinhas cada. Era quem bancava o produto na praça.

As bancas de revista satisfazem todos os gostos e gastos: jornais e revistas nacionais, estaduais e municipais, charadas, palavras cruzadas, casa e jardim, apostilas para concursos públicos, esporte, artes, religião, ciências, filosofia, cordel, pornô, além de livros, muitos dos quais de autores parnaibanos.

A partir dos anos 60, a banca de revista mais procurada pertencia ao senhor Aluísio Cruz , que sucedeu o cunhado Zequinha no negócio. Dona Carlota trabalhava com o marido.

Da fase áurea da banca do Aluísio, na avenida presidente Vargas, lembro-me dos encontros dominicais de leitores em busca do Jornal do Brasil, com seus diversos cadernos (esporte, literatura, turismo, economia, política). O JB era o jornal de circulação nacional mais consumido em Parnaíba. E olha que as edições  de domingo  chegavam na cidade  a partir das nove horas do mesmo dia.

Através da banca do Aluísio formei coleções completas de lançamentos de grandes editoras nacionais, como os 32 volumes das obras de Érico Veríssimo, os 50 da coleção “Literatura Brasileira Contemporânea”, os 50 da coleção “Obras Imortais de Nossa Literatura, os 50 de “Literatura Comentada”, os 21 da “História da República Brasileira”, de Hélio Silva e Maria Cecília Ribas Carneiro, e muitas outras obras.

Hoje há várias bancas de jornal na cidade. A mais conhecida e frequentada é a Banca do Louro, localizada na praça da Graça. Em sua volta, quatro instituições financeiras, duas igrejas bicentenárias, um hotel, receita federal, câmara municipal e estabelecimentos comerciais.

A Banca do Louro, graças à simpatia e educação do proprietário, é muito visitada. Em torno dela as pessoas gostam de bater papo.

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Durante o tempo em que viveu, o sr. Pedro Alelaf reunia a partir dos anos 60 na calçada de sua casa comercial, aos domingos de manhã, várias pessoas  –  políticos, empresários, bancários, comerciários, jornalistas, intelectuais. Tema: livre. Quem quisesse falar mal de alguém que falasse, quem preferisse falar bem que o fizesse. Esse grupo chamava o ponto de reunião de senadinho. E realmente os pontos de vista políticos predominavam democraticamente nas conversas. Além do anfitrião, José Maria Medeiros e Pedro Borges eram presenças constantes.

Depois do falecimento de Pedro Alelaf, o senadinho se mudou para a banca do Louro. A democracia continua plena. Todos têm razão neste mundo sem razões.

Um dos traços marcantes no comportamento do Louro é a discrição. Ele fala muito menos do que ouve. Aliás, quando fala, não ofende a ninguém. A esposa e o filho aprenderam bem a lição da boa convivência.

O Louro parece ter um só partido: PCP – Partido da Cultura Parnaibana e por isso se entende bem com todo o mundo.

Em todo ano eleitoral, o Louro colocava uma urna ao lado de sua banca para que  as pessoas manifestassem sua intenção de voto. Suas  pesquisas sempre batiam com o resultado oficial. Na última eleição municipal, algumas pessoas não comprometidas com a democracia tentaram desvirtuar a pesquisa feita pelo Louro, desestimulando-o a prosseguir nesse  trabalho.

Além de publicações de praxe, a Banca do Louro vende livros diversos, principalmente de autores parnaibanos.

Recentemente escrevi e publiquei um poeminha chamado Epigrama:

o poeta foi à livraria

atrás de livro de poesia:

–  como podes ver nas estantes

aqui temos livros bastantes

que vendemos a todo instante

e que agradam o leitor

–  obras de autoajuda  de amor

de culinária de ficção

de botânica de religião…

como vês são livros diversos

mas não temos nenhum de versos

por escassez de comprador.

Na Banca do Louro, cuja missão superior é divulgar a cultura, com ou sem lucro, tem até livros de poesia. Talvez até mais que obras em prosa.

Existem outras bancas de revista em Parnaíba e é provável que tenha havido outras anteriores às do período em tela. Neste artigo, menciono apenas as que me marcaram efetivamente.