BEM-VINDOS A ROMA II
Vitor de Athayde Couto
O setor de comércio e serviços de Parnasia anuncia quase tudo em Latim. Mas não é bem um Latim clássico, muito menos gramatical. O bom observador identifica logo que se trata de uma espécie de latinório escalafobético, tão à grega quanto o arroz da gastronomia local, misturado com milho verde do novo mundo, em conserva (o milho).
Alguns apóstrofos (apóstrofes em parnasianês) e letras dobradas dão um charme adicional ao latinório, mesmo que isso não faça nenhum sentido.
Por exemplo:
Academias: “Hercules”, “Olimpicus”, “Spartacus”…
Butiques: “Algazzarra’s”, “Depozzitus”, “Exquisittus”, “Infecttus”, “Contaggiu’s”…
Escritórios: “Juris”, “Iustum”, “Dura Lex”, “Atrium”…
Informática: “Exattu’s”, “Computariam”…
Comida típica: “Spettu’s”, “Rodizziu’s di pizze”, “Pullum crepito”…
Pousada: “Tabernaculus”, “Urbes Septem”…
Faculdades privadas: “Uni…aliquid”…
Teatro: “Theatrum”, “Arenam”…
Bíblia: “Latine Vulgate”, “Liber”…
Neoigrejas: “Cultae”, “Templus”, “Aerarium”…
Botecos: “Arrettadu’s”, “Habeas Copus”…
Cabaré: “Nos rodunt confudentur lupanar”…
Quanto ao cabaré, os acadêmicos de plantão garantem que há incorreções. É que, com o passar do tempo, os falocratas perderam o seu Latim de raiz. A cada geração foram perdendo também a pele branca e os olhos azuis. O Latim gramatical foi sendo substituído pelo latinório escalafobético – dando origem ao parnasianês ortodoxo, boçal e cartorial.
O Sol do Equador escureceu a pele dos falocratas até ficarem cobertos por um brônzeo escudo. Descontentes, passaram a se branquear com um pó de arroz brejeiro produzido nas ilhas e margens do rio Piroga Grande, afluente do Rio Grande dos Algonquinos. Eles nunca se autodeclaram negros. Sentindo-se brancos, tratam-se como mouros ou mourenos (mouriscos), mesmo sem saber o que isso significa. Parece que têm vergonha de chamar moreno de negro. Ou, de acordo com o IBGE, preto de preto. Pardo de pardo. Índio de indígena… Vai levar tempo até começarem a falar corretamente.
Quanto aos olhos, igualmente escurecidos pelo Sol, costumam ser maquiados. Quase todos usam lentes de contato transparentes, porém coloridas, do tipo fantasia meidinchina. As lentes, descartáveis, são compradas nos camelôs do calçadão. Falsas lentes azuis revelam a continuidade de uma patologia hereditária, estrutural e silenciosa, devidamente registrada no DNA de cada parnasiano: o preconceito racial, temperado com uma espécie de machismo etimológico e tão estrutural quanto o preconceito. Ah, ia esquecendo. Muita gente usa aparelho ortodôntico, mesmo sem necessidade de corrigir arcadas dentárias. Usa para fazer selfies, porque dá status. Um aparelho fantasia prêt-à-porter não custa mais do que 4 dólares. Quem pode, blinda o carro. Quem não pode, blinda os dentes, haha.
***
– Anaïs Anaïs! – acorreu Mani.
– O que foi?
– Você não vai acreditar. Acabei de saber que o alcaide enviou à câmara dos lordes um projeto incrível.
– De que se trata?
– A prefeitura vai usar o dinheiro do povo para construir um arco na entrada da cidade, com os seguintes dizeres: “RECEPERINT ROMAM”.
– E o que isso quer dizer? – perguntou Anaïs.
– Pera, eu anotei aqui. Quer dizer… quer dizer… “Bem-vindos a Roma!”
– E qual é a justificativa?
– Os lordes acreditam que Parnasia é um pólo turístico internacional, só porque tem um aeroporto com apelido de internacional. Descobriram, no gúgli, que Roma disputa com Paris o recorde de maior afluência de turistas no mundo. Assim, basta dizer “bem-vindos a Roma” e instalar, nas praças, a frase “Eu coraçãozinho Roma” (eu amo Roma). Daí é só esperar uma grande invasão de turistas do mundo todo, atraídos pela nossa… cultura haha.
(próxima crônica: “A LEITURA DO LEITOR”)
COMENTÁRIOS
Sobre a crônica “Bem-vindos a Roma I”:
Um leitor amou a ironia do Padre João, ao sugerir que os novos cristãos-novos, que negam a Virgem Maria, adorassem minichocadeiras. Disse também que os chineses já vinham faturando muito com as vendas de imagens de “nossa senhola apalecida e das doles” haha. No Natal, deu de presente, para sua mãe (dele) uma pequena imagem de N. S. de Fátima, onde se lia “made in China”. Haja globalização!
Tempos depois soube que o nome do Padre João foi inspirado em João XXIII, o papa mais bem-humorado da Santa Madre.
Outro leitor disse que eu matei a charada. Como o pastor da rádio “Alleluhja” negou a concepção de Jesus, Conceição virou Ceiça. E Cauby tinha razão. Ninguém sabe, ninguém viu.
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Escute o texto com a narração do próprio autor: