Casado com a promotora de justiça e escritora Maria do Amparo Coelho dos Santos com quem tem três filhos, o advogado parnaibano Antônio de Pádua Ribeiro dos Santos já exerceu vários cargos importantes na sua cidade: promotor de justiça, defensor público, delegado de polícia, professor, presidente da Câmara Municipal, presidente da OAB – Subseção de Parnaíba, presidente da Academia Parnaibana de Letras, secretário municipal de cultura e vice-prefeito municipal.
Como escritor tem explorado os seguintes gêneros literários: poesia (VIRAÇÃO), conto (REVOLUÇÃO DAS ALMAS) e crônica (O ENCANTADOR DE SERPENTES e CRÔNICAS VADIAS).
Embora dotado de muita sensibilidade na poesia lírica e na de protesto, reconhecido por Fontes Ibiapina como um poeta de “estro contido numa mensagem humana que traduz nossos sentimentos ecológicos”, com “construtividade humano-sócio-política”, – acho que Pádua Santos se realiza melhor artisticamente como contista e cronista.
REVOLUÇÃO DAS ALMAS reúne cinco contos premiados no Concurso João Pinheiro, promovida pela Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Piauí. Segundo o contista Magalhães da Costa essa obra, editada em 1988, revela “uma estreia muito feliz dum jovem contista, senhor já de seu ofício de escritor, que exerce com grande firmeza, segurando a narrativa de espontaneidade, manejando a linguagem, que tem bem dominada e recriada, sabendo fazer uso dos diálogos na sua maioria bem construídos e nada abusivos, experimentando sempre novas maneiras de construir suas histórias, com técnica atual, e o mais importante, explorando temas de hoje, de interesse social, onde podemos destacar especialmente a fina ironia do autor e a humana mensagem de ficcionista engajado no seu tempo. São histórias do pedaço de chão nosso, mais particularmente da zona sertaneja, onde habitou o contista em meio a sua gente e que aqui é retratada fielmente nos seus dramas de pobres diabos”.
Com capa e ilustrações do grande artista plástico e gráfico Fernando Antônio Melo de Castro, O ENCANTADOR DE SERPENTES E OUTROS VULTOS ILUSTRADOS retrata com ironia e humor, através de crônicas bem desenvolvidas, pessoas de Parnaíba: o advogado amante de festas juninas, o carnavalesco, o padre, o juiz, o médico, o caricaturista, políticos, escritores e poetas.
Por fim, reporto-me ao livro CRÔNICAS VADIAS, que tive a honra de prefaciar e com que Pádua Santos obteve o 1º lugar na categoria crônica (Prêmio A. Tito Filho) em “Concursos Literários do Piauí”, – importante certame cultural promovido em 2006 pela Fundação Cultural – FUNDAC. Aliás na trajetória intelectual de Pádua Santos, destaca-se sua participação vitoriosa em diversos concursos literários, a partir dos anos 80.
A cada um dos treze textos enfeixados no livro corresponde uma epígrafe, reveladora da cultura literária do autor, ora garimpada na Bíblia, ora extraída de escritores estrangeiros ou brasileiros, inclusive parnaibanos.
Os textos reunidos no livro são classificados pelo autor como “crônicas”. Reconhecendo, no entanto, ser difícil estabelecer os limites entre “crônica” e “conto”, adverte Pádua Santos:
E o que são, finalmente, estes relatos?
O próprio nome já diz tudo: são descrições
vadias. Vadias porque ora parecendo conto, ora se
assemelhando à crônica, dizem coisas romanescas
envolvendo pessoas que à época viviam em eterna
boemia ociosa.
A preocupação do autor quanto à exata classificação dos textos deste livre procede, principalmente se se levar em consideração a famosa e chistosa definição de Mário de Andrade, segundo a qual “conto é o que conto se chama”.
De qualquer sorte, a classificação adotada por Pádua Santos, que é um excelente contista (REVOLUÇÃO DAS ALMAS é uma obra-prima do conto piauiense), é inteiramente correta, uma vez que a obra apresenta temas urbanos, com tipos urbanos, predominantemente no plano humorístico, notando-se a ausência de sutileza no trato com a narrativa.
Um dos maiores críticos literários do Brasil, Antônio Cândido, no início do prefácio de um livro que reúne crônicas de quatro grandes autores do gênero – Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga – diz:
“A crônica não é um ‘gênero maior’. Não se
imagina uma literatura feita de grandes cronistas, que
dessem o brilho universal dos grandes romancistas,
dramaturgos e poetas. Nem se pensaria em atribuir
o Prêmio Nobel a um cronista, por melhor que fosse.
Portanto, parece mesmo que a crônica é um gênero
menor”.
Observe-se que o consagrado crítico e professor emprega a forma verbal “parece” (“… parece mesmo que a crônica é um gênero menor”). Ora, “nem tudo o que parece é”, ensina a sabedoria popular. Ciente e consciente disso, acrescenta o crítico:
“Graças a Deus – seria o caso de dizer,
porque sendo assim ela (a crônica) ficou perto de
de nós. E para muitos pode servir de caminho não
apenas para a vida, que ela serve de perto, mas para
a literatura”.
No premiado livro, o tema é voltado para “vidas vadias” na Parnaíba de diferentes épocas. Vários escritores do mundo inteiro (poetas, contistas, romancistas, dramaturgos, cronistas) escreveram sobre lupanares e prostitutas. Nenhum (ex) frequentador de lugares ou becos em que vivem ou viveram “mulheresde vida fácil” (“difícil” seria o adjetivo mais apropriado) pode ou deve se envergonhar. Beco de mulheres? A resposta com Manuel Bandeira, no poema “Última Canção do Beco”:
“Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas…”
CRÔNICAS VADIAS é um livro fascinante. Sinto-me um privilegiado por tê-lo conhecido antes de publicado. Mais do que estórias de cabarés, encontrei nele uma faceta pouco lembrada da história da cidade, narrada num estilo sóbrio, conciso.
Nas páginas do livro, não desfilam propriamente “personagens”, isto é, atores e atrizes que se insinuam, deixando impressa a sua silhueta marcante. Depara-se, isso sim, com “tipos”, definidos com poucas palavras, sem o propósito de aprofundar a análise comportamental. Mas são tipos inesquecíveis: o perdulário que se trajava com “larga camisa que mandava confeccionar do tecido de que eram feitos os sacos que continham açúcar da época”; a filha do vaqueiro, “feia e desengonçada” que deixa o “seco sertão ensolarado e dos bodes” para assumir o papel de “Paraense” da cidade pecadora e ensombrada pelo deboche; a senhora da alta sociedade que manda danificar a casa da amante de seu marido, “quebrando a casa errada”; “o cego de visão, e também de bom olfato”, induzido por amigo galhofeiro a confundir, diante de cheiro de vela, funerária em noite de velório com cabaré em noite sem energia elétrica…
Com este livro, o grande contista Pádua Santos assume também a condição de grande cronista. Se alguém duvidar, respondo tal qual o velho timbira do poema famoso de Gonçalves Dias: – “Meninos, eu vi”.
Por Alcenor Candeira Filho