Francisco de Assis Almeida Brasil, um dos expoentes da literatura brasileira, nasceu em Parnaíba-PI em 1932. Morou durante a maior parte da vida no Rio de Janeiro, onde escreveu em grandes órgãos da imprensa do país. Reside atualmente em Teresina-PI, ocupando uma das cadeiras da Academia Piauiense de Letras.
Exemplo de polígrafo, sua obra compreende diversos gêneros: romance, novela, conto, infanto-juvenil, ensaio, crítica literária e paradidático, num total de mais de 150 livros.
Destaca-se na sua produção literária as obras que compõem as seguintes categorias: Tetralogia Piauiense, Ciclo do Terror e Romances Históricos.
BEIRA RIO BEIRA VIDA, A FILHA DO MEIO QUILO, O SALTO DO CAVALO COBRIDOR e PACAMÃO são os romances que compõem a TETRALOGIA PIAUIENSE, que de certa forma representa um retorno do escritor à terra de nascimento, da qual se afastou na adolescência. A Parnaíba do segundo quartel do século XX serve de pano de fundo para o desenvolvimento do enredo de cada romance, todos interessados na denúncia social. BEIRA RIO BEIRA VIDA é o mais importante romance da Tetralogia, vencedor do Prêmio Nacional Walmap (1965). As personagens centrais dessa obra-prima do moderno romance brasileiro são pessoas sofridas, miseráveis (prostitutas, marinheiros, canoeiros, vareiros), habitantes do velho bairro Tucuns – atualmente São José -, localizado às margens do rio Parnaíba. A FILHA DO MEIO-QUILO e PACAMÃO constituem uma crítica à classe média parnaibana, revelando as fraquezas da pequena burguesia. Por fim, O SALTO DO CAVALO COBRIDOR, obra menos expressiva da Tetralogia, é um romance regionalista, cujo protagonista se chama Inação, empregado do Dr. Gervásio, protótipo do burguês rural.
Como alguns membros da burguesia de Parnaíba se identificaram com as personagens da Tetralogia, criou-se na cidade um certo preconceito, felizmente já superado, contra os romances de Assis Brasil, a ponto de impedirem que os mesmos circulassem em suas casas. O sociólogo e historiador parnaibano Manoel Domingos Neto no artigo “A Primeira Vez que Li Assis Brasil”, publicado na 61ª edição do ALMANAQUE DA PARNAÍBA, se declara uma dessas vítimas da mentalidade tacanha reinante na província, declarando que hoje compreende a razão pela qual seu avô censurava BEIRA RIO BEIRA VIDA:
“Talvez agora eu tenha melhores condições para compreender meu avô quando proibiu-me de ler Assis Brasil. Além da solidariedade aos amigos que sentiram-se desonrados, além da lembrança dolorosa da perda do filho, havia, sim, outro motivo para a censura a esse escritor excepcional. Assis Brasil operou em rota de colisão com os comerciantes ricos de Parnaíba, mostrou o lado feio e fedorento da cidade orgulhosa. O lado que os Abastados, por instinto, precisam esconder”
Após ganhar em 1965 o prêmio Nacional Walmap com BEIRA RIO BEIRA VIDA, – Assis Brasil voltou a conquistar esse prêmio em 1975 com OS QUE BEBEM COMO OS CÃES, obra que faz parte do CICLO DO TERROR, juntamente com O APRENDIZADO DA MORTE, OS CROCODILOS e DEUS, O SOL, SHAKESPEARE, e que se desenvolve em um presídio, tendo como principal personagem o professor de literatura Jeremias.
OS QUE BEBEM COMO OS CÃES é um romance que se distancia da estrutura tradicional da ficção brasileira. Uma das novidades dessa obra é a repetição de títulos dos capítulos e de cenas (a cela, o pátio, o grito) em torno do preso político Jeremias, no período da ditadura militar no país, culminando com o seu suicídio.
Passo agora a falar dos romances históricos de Assis Brasil.
É modesto no país o acervo de obras de ficção nessa categoria.
Iniciado na vigência do romantismo, com O GUARANI (1857), de José de Alencar, seguido de IRACEMA, AS MINAS DE PRATA, A GUERRA DOS MASCATES e UBIRAJARA, todos do mesmo autor, – nosso romance histórico é marcado na origem não pela exatidão histórica, mas pela visão fantasiosa, muitas vezes lendárias, do ambiente e do nativo.
Depois de Alencar, poucos ficcionistas brasileiros têm produzido no gênero.
Diante dessa lamentável realidade cultural, torna-se digno de registro o fato de que dois intelectuais piauienses, Renato Castelo Branco e Assis Brasil, ambos nascidos em Parnaíba, publicaram a partir dos anos 80 importantes romances históricos, exatamente dez, cinco de cada autor. De Renato Castelo Branco: RIO DA LIBERDADE (A GUERRA DE FIDIÉ); SENHORES E ESCRAVOS (A BALAIADA); A CONQUISTA DOS SERTÕES DE DENTRO; O PLANALTO e DOMINGOS JORGE VELHO E A PRESENÇA PAULISTA NO NORDESTE. De Assis Brasil: NASSAU, SANGUE E AMOR NOS TRÓPICOS; VILLEGAGNON, PAIXÃO E GUERRA NA GUANABARA; PARAGUAÇU E CARAMURU: PAIXÃO E MORTE DA NAÇÃO TUPINAMBÁ; TIRADENTES, PODER OCULTO O LIVROU DA FORCA e JOVITA, MISSÃO TRÁGICA NO PARAGUAI, destacando-se os dois últimos como os mais importantes.
Os romances históricos de Assis Brasil resultam de ambicioso projeto literário voltado para a reconstituição de quatrocentos anos de nossa história: século XVI: Villegagnon e Paraguassu; século XVII: NASSAU; século XVIII: Tiradentes; século XIX: Jovita.
TIRADENTES, considerado pelo próprio autor como o seu melhor livro, a sua obra-prima, é um romance gigantesco (462 páginas) em que é posto em questão o que a maioria dos historiadores tem evitado abordar: Tiradentes não teria sido enforcado, uma vez que fora substituído na forca por um sacristão da Sé (Isidro Gouveia), ou por um ator ítalo-brasileiro (Renso Orsine), contratado na Europa para “o simulacro da forca”.
Em JOVITA, MISSÃO TRÁGICA NO PARAGUAI, Assis Brasil nos apresenta uma mulher extraordinária, Jovita Alves Feitosa, nascida no Ceará e queimada no holocausto de Acosta Ñu, por determinação do Conde d’Eu.
Devem ser lembradas ainda na copiosa obra de Assis Brasil as antologias poéticas estaduais da Coleção Poetas Brasileiros (POESIA PIAUIENSE NO SÉCULO XX, A POESIA CEARENSE NO SÉCULO XX e mais outras nove) por ele organizadas e anotadas, editadas nos anos 90 pela Imago Editora Ltda. em parceria com órgãos oficiais dos respectivos Estados, com o propósito de mostrar que o Brasil não é apenas a rua do Ouvidor”, como já lembrava Sílvio Romero no século XIX.
No campo da crítica e do ensaio, Assis Brasil publicou mais de vinte livros, com destaque para A VIDA PRÉ-HUMANA DE JESUS, recebido com muitos louvores por intelectuais brasileiros.
São notáveis também os ensaios sobre Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Joyce, Faulkner, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, bem como os livros que tratam da nova literatura brasileira (O romance, A poesia, O conto, A crítica, O modernismo, A técnica da ficção moderna, Como entender a estética moderna).
No 4º Salão do Livro do Piauí – Ano Assis Brasil – realizado em Teresina em 2006, diante de um auditório lotado com mais de mil pessoas, o maior número de ouvintes presenciais que já experimentei na vida, ocupei a tribuna do Centro de Convenções de Teresina para proferir a conferência intitulada “Panorâmica da Obra de Assis Brasil”. A experiência foi para mim inesquecível e imensa a responsabilidade, principalmente pela presença do homenageado, aplaudido de pé ao adentrar no auditório.