As luzes dos carros passam por mim. Por breves momentos, elas chegam a ofuscar minha visão. É noite, e voltando do centro, como todos os dias faço, ligo o som e deixo a música fluir. Às vezes, alguém se aproxima e pergunta:
– Por que tanta música?
E confesso, às vezes nem eu mesmo sei o motivo. Talvez as canções sejam uma espécie de combustível nos momentos alegres, e até uma espécie de morfina nos períodos de dor, sabe lá… Só sei que ao aumentar o volume, retomo minha jornada, empurrando minha “lanchonete móvel” que é, Graças a Deus, de onde tiro meu sustento. Como que andando em câmera-lenta, ao menos em comparação aos veículos, motos e bicicletas que encontro pelo caminho, sigo percorrendo os vários quarteirões desta cidade, que embora não seja o meu ponto de origem, tenho um prazer imenso de dizer que resido há quase uma década. Tive um dia difícil, as vendas não foram muito boas. Chego por um instante a pensar se esta era realmente a vida que eu queria ter, a que sonhei…
E quem não pensa isso de vez em quando, não é mesmo?
Logo volto à razão, quando alguém buzina e me cumprimenta:
– E aí Obama, beleza?
Obama, Foguinho, Rapaz do DVD… Já fui chamado de todos esses nomes, e muito mais, mas será que algum deles traduz, exatamente, quem eu sou? Ou seriam apenas “máscaras felizes” que carrego pela vida, na tentativa de sempre mostrar um lado alegre e positivo, mesmo que nem sempre corresponda com o que eu esteja sentindo em um dado instante? A cada passada, em direção à minha residência, penso em meu filho, meu companheiro diário nas dificuldades e emoções. Nem sempre ele pode estar ao meu lado, pois prefiro que estude, para que, como mesmo já me disse:
– Pai, um dia vou lhe tirar dessa vida! – Eu tenho muito orgulho dele.
E qual é o pai que não tem orgulho do filho, não é mesmo? Nesse momento, em que me encontro no meio do trajeto, avisto uns garotos jogando bola na rua, e isso me faz lembrar da minha infância no Maranhão, junto de minha avó, figura preciosa em minha existência. Minha avó foi quem me criou, quando eu, poucos meses de nascido, perdi a minha mãe, que faleceu. Ainda me lembro das lições que ela me repassou, lembranças estas que ainda encontram-se vivas em minha memória, e que tento repassar para as pessoas próximas a mim, além das que conheço a cada dia quando “perambulo” pelas ruas, em frente às lojas, nas praças, mexendo com uns e outros, na busca de deixar as pessoas mais sorridentes e, desta forma, tentar tornar o mundo menos “cinza”, do que ele já é…
Até chegar em Parnaíba, foi uma jornada longa e cheia de aprendizados, percorri várias cidades, sempre vendendo meus produtos, sejam eles bijuterias, roupas, fitas, cds, dvds, e nos últimos tempos, devido à dura fiscalização, lanches em geral. A freguesia é boa, não posso reclamar, porém nem sempre as vendas me fazem sorrir ao fim do dia. Muitas vezes, para melhorar e continuar seguindo em frente, preciso lembrar de algo que me mantém firme, e que sempre acreditei, mesmo com todos os percalços do destino:
– A esperança!
E por acaso, quem é que consegue vencer sem esperança, não é mesmo? A esperança, esta dama preciosa, é que me conduz pela estrada da vida, e é a mesma que me faz acreditar que um dia as coisas irão melhorar, e que meu talento e criatividade possam ser reconhecidos… É quando avisto minha casa, faltam poucos metros. Vejo um carro na porta, logo me adianto para saber quem me procura. Ao chegar em casa, encontro meu filho, dou um abraço apertado nele, e, ao mesmo tempo, lembro do quanto sou feliz…
Estavam a minha espera, três indivíduos, que disseram fazer parte de uma revista de cultura da cidade. Eu pergunto o nome:
– O Piaguí!
Querem fazer um artigo sobre minha pessoa, para uma série chamada “Parnaíba, por quem também faz Parnaíba”, pedindo que eu conte a minha história. Mesmo cansado, eu concordo, respiro fundo, esboço um sorriso e depois de uns segundos, pergunto:
– Por onde eu começo?
Claucio Ciarlini Neto (2010)
Nota do autor: Marcos Menezes da Cruz, o “Obama”, nasceu em 17 de março de 1975, na cidade de Dom Pedro, no estado do Maranhão. Desde muito jovem trabalha como vendedor ambulante, tendo percorrido diversas cidades do Maranhão e do Piauí, até chegar em Parnaíba, no ano de 2001. É, a meu ver, dentre estes vários personagens da vida real que já entrevistei, talvez um dos que mais simbolizem o “espírito” desta série, pois apesar de não ter nascido na cidade, adotou Parnaíba e é onde resolveu fincar raízes. Além de ser um trabalhador incansável, uma peça fundamental do drama social no qual se encontra inserido. Figura ímpar, e ao mesmo tempo tão complexa, que optei por narrar sua história de uma forma diferente, ou seja, em 1.ª pessoa. Utilizando relatos de vida repassados por ele, nas conversas que tivemos, somados ao que observei de seu trabalho nestes últimos anos e, por fim, ligando às opiniões e histórias de quem convive diariamente com ele, pude montar, dessa forma, o que seria “Um retorno para casa, e cheio de lembranças, depois de um dia cansativo de trabalho”. Gostaria de dedicar este artigo à minha avó Francisca de Oliveira Carvalho, que assim como a avó de Marcos, a senhora Maria Bárbara Menezes, também me ensinou a acreditar em palavras que nem sempre são ditas e muito menos expressadas nos dias de hoje, palavras importantes e que nunca deveríamos esquecer: O respeito, o amor e a esperança.