Quase dois anos depois de entrar em vigor, a Lei da Ficha Limpa foi declarada constitucional nesta quinta-feira (16) pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Por 7 votos a 4, o plenário determinou que o texto integral da norma deve valer a partir das eleições de outubro.
Com a decisão do STF, ficam proibidos de se eleger por oito anos os políticos condenados pela Justiça em decisões colegiadas, cassados pela Justiça Eleitoral ou que renunciaram a cargo eletivo para evitar processo de cassação, com base na Lei da Ficha Limpa.
O Supremo definiu ainda que a ficha limpa se aplica a fatos que ocorreram antes de a lei entrar em vigor e não viola princípios da Constituição, como o que considera qualquer pessoa inocente até que seja condenada de forma definitiva.
A decisão foi tomada com base no artigo da Constituição que autoriza a criação de regras, considerando o passado dos políticos, para proteger a “probidade administrativa e a moralidade”.
Proposta por iniciativa popular e aprovada por unanimidade no Congresso, a ficha limpa gerou incertezas sobre o resultado das eleições de 2010 e foi contestada com dezenas de ações na Justiça. Depois de um ano da disputa eleitoral, a incerteza provocada pela lei ainda gerava mudanças nos cargos. Em março de 2010, o próprio Supremo chegou derrubar a validade da norma para as eleições daquele ano.
O julgamento começou em novembro de 2011 e foi interrompido por três vezes. Nesta quinta (16), a sessão durou mais de cinco horas para a conclusão da análise de três ações apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo PPS e pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL).
As entidades buscavam definir a aplicação da lei e a análise foi marcada, voto a voto, por intervenções dos ministros que atacavam e defendiam a lei.
O relator, ministro Luiz Fux, foi o primeiro de defender a tarefa da ficha limpa de selecionar os candidatos a cargos públicos com base na “vida pregressa”. Para ele, se a condenação for revertida, o político voltará a poder se eleger.
“A opção do legislador foi verificar que um cidadão condenado mais de uma vez por órgão judicial não tem aptidão para gerir a coisa pública e não tem merecimento para transitar na vida pública”, afirmou Fux.
O direito do cidadão de poder escolher representantes entre pessoas com ficha limpa também foi defendido pelo ministro Joaquim Barbosa. Também votaram a favor da aplicação integral do texto da lei os ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Marco Aurélio, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
“É chegada a hora de a sociedade ter o direito de escolher e o orgulhar-se poder votar em candidatos probos sobre os quais não recaia qualquer condenação criminal e não pairem dúvidas sobre mal versação de recursos públicos”, disse Barbosa.
“Não vejo aqui inconstitucionalidade, mas a reafirmação de princípios constitucionais”, disse Cármen Lúcia ao falar sobre a importância da moralidade na vida pública.
A proibição da candidatura nos casos de renúncia de cargo eletivo para escapar de cassação também foi mantida pelo Supremo. Para o ministro Marco Aurélio, a Lei da Ficha Limpa possui “preceitos harmônicos com a Constituição Federal que buscam a correção de rumos desta sofrida pátria.”
Apesar de defender a aplicação ficha limpa, Marco Aurélio fez uma ressalva ao afirmar que a regra só deve valer a condenações ocorridas depois da vigência da lei, iniciada em junho de 2010.
“A lei é valida e apanha atos e fatos que tenham ocorrido após junho de 2010 não atos e fatos pretéritos. Quando eu disse vamos consertar o Brasil foi de forma prospectiva e não retroativa sob pena de não termos mais segurança jurídica”, afirmou Mello.
Primeiro a votar contra a aplicação integral da Lei da Ficha Limpa, o ministro Dias Toffoli criticou a elaboração das regras. A tese de Toffoli foi acompanhada pelos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso.
“A lei complementar número 135 é reveladora de profunda ausência de compromisso com a boa técnica legislativa. É uma das leis recentemente editadas de pior redação legislativa dos últimos tempos. Leis mal redigidas às vezes corrompem o propósito dos legisladores e o próprio direito”, afirmou.
A ficha limpa foi criticada pelos ministros do STF por valer para fatos anteriores à sua vigência e por tornar inelegível uma pessoa condenada que ainda pode recorrer da decisão. Para os quatro ministros que votaram contra a aplicação da lei, a ficha limpa deveria valer apenas para quem for condenado depois que a norma começou a vigorar, ou seja, depois de junho de 2010.
“A população bate palmas, por exemplo, para esquadrões da morte, mas isso é contra qualquer padrão civilizatório e uma corte como esta tem de cobrar não pode permitir que se avance sobre esses valores”, disse Mendes.
“O Congresso não tem o poder de escolher fatos consumados no passado para, a partir dessa identificação, elegê-los como critérios para restrição de direitos fundamentais”, afirmou o ministro Celso de Mello.
O último a votar, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, classificou a Lei da Ficha Limpa como um instrumento de “retroatividade malígna que contraria a vocação normativa do Direito”.
Para ele, a lei não pode valer para casos anteriores à sua vigência e não pode tonar inelegível pessoas que ainda podem recorrer da condenação. Peluso afirmou que, dessa forma, a lei parece ter sido feita para pessoas específicas e não para a coletividade.
“A lei foi feita para reger comportamento futuros. Então, deixa de ser lei e, a meu ver, passa ser um confisco de cidadania. O estado retira do cidadão uma parte da sua esfera jurídica de cidadania, abstraindo a sua vontade. Não interessa o que você pode ou não evitar”, disse Peluso.
Fonte: meionorte.com