INFLAÇÃO E METÁSTASE
Vitor de Athayde Couto
– Você viu?
– O quê?
– A inflação!
– E a gente vê inflação, rapá? Haha. Té doidé?
– Seu gaiato.
– Bora, confesse!
– Seguinte, muita gente não acredita que a inflação gira em torno de 4%.
– Eu mesmo não acredito.
– E por quê, posso saber?
– Porque o pão dobrou de preço, quer mais? A inflação devia ser de 100%.
– Ô, bróder. A inflação é uma média.
– Isso mesmo, a média com pão dobrou de preço! Não acredita? Então, bora lá na padaria dos irmãos Unha Suja e o Come Meleca.
– Né isso não, bróder. A inflação é calculada como se fosse uma média estatística. Pode ser simples, com maior erro, ou ponderada, com erro menor.
– Sei o que é isso, não.
– Tá-se vendo, mas eu explico. Seguinte, faz de conta que a inflação é um tipo de câncer. Começa com umas células malucas que depois vão desorganizando o organismo todo.
– Piorou.
– Calma. Faz de conta que a primeira célula maluca é o pão. Se a causa for o aumento do preço do trigo, vai a cadeia produtiva toda, ou seja, macarrão, biscoitos, tudo que é feito com essa farinha. Mas isso ainda não é a inflação.
– O que é, então?
– Por enquanto, é só uma parte bem pequena do índice de preços dos alimentos. Mas ainda falta ver os índices da construção civil, dos transportes, do vestuário, das mensalidades escolares, material didático, uiscambáu. Então, só depois, quando junta tudo, é que teremos a inflação.
– Verdade? Tudo?
– Sim, tudo, inclusive uiscambáu. É por isso que o índice que mede a inflação chama-se índice geral, ou seja, abrange tudo como se fosse uma metástase.
– É mesmo, bróder. Já ouvi falar nesse índice geral de preços.
– Sim, é o IGP, mas tem outros.
– E qual é o melhor?
– O melhor índice é sempre aquele mais abrangente e calculado pela instituição que inspira mais confiança, como é o caso do IBGE. Mas algumas instituições privadas, como as fundações, já vêm produzindo séries menos abrangentes, porém confiáveis para reajustes parciais. É o caso dos salários (custo de vida), aluguéis (construção civil), mercado etc. Quando o IBGE diz que o IPCA acumulado nos últimos 12 meses é de 4,23%, a primeira reação do cidadão é comparar esse índice geral com o preço do pãozinho da padaria do seu bairro. Agora pense: quantos bairros e quantas padarias existem no Brasil?
– Tou começando a entender. O pão dobrou, mas a boa safra de batata fez o seu preço cair. Na média…
– Isso, mesmo, na média. Mas, se todos ou a maioria dos preços aumentam, é como se fosse uma metástase. Os aumentos se espalham por todos os setores da economia, assim como, na metástase, o câncer se espalha por outros órgãos, através da circulação do sangue – o que pode ser acompanhado pelo índice geral. Por analogia, os aumentos dos preços se espalham através da circulação do dinheiro. Em vez de quimioterapias, é preciso produzir mais mercadorias e serviços, ajustando-se as taxas de juros e de câmbio. Já o câncer localizado num só órgão é mais fácil de ser curado. Da mesma forma, quando se eleva o preço só de um ou poucos produtos, fica mais fácil o governo intervir, como no caso recente do arroz. Basta importar.
– E quando o aumento de preços é geral?
– Aí é mais complicado, é preciso aplicar uma boa quimioterapia, como foi o Plano Real, ou, então, rezar muito para que aconteça um milagre.
– E quem é o santo padroeiro da Economia?
– A Economia não é um sacerdócio como a Medicina ou a Enfermagem, por isso não tem santo, não. Com medo de irem pro inferno, os economistas se juntaram aos contadores, assessores jurídicos e auditores fiscais. Na calada da noite, costumam apelar pra São Mateusinho, numa sala ecumênica pequena e bem escura, no último andar da sede do Banco Central. Mas, se a Economia tivesse uma santa padroeira, com certeza seria Santa Cornucópia. O problema é que ela ainda não foi inventada.
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