INGLÊS É UMA LÍNGUA MUITO ESTRANHA

 

Vitor de Athayde Couto

 

Galerão anda invocado. Todo mundo já sabe que alguma coisa estranha acontece. O mais provável é que se trata de mais uma dessas ideias malucas. Olha, espia, pergunta, a galera acaba descobrindo. Trata-se do seguinte:

– Já notaram como Galerão anda mudado? – pergunta Half, enquanto treina snooker no U.S. Saloon, com belíssima decoração de entre-duas-guerras.

Half, por ser muito baixinho (daí o apelido), anda sempre com um banquinho para poder alcançar as bolas, mesmo com o taco longo. Não raro ele fica literalmente sentado na beirada da mesa-de-sinuca. Apesar dessa dificuldade estrutural, costuma acertar todas as tacadas. Mas…

– Que que há contigo, Half? Tu nunca erraste tanto como hoje – diz Saló.

– Não consigo me concentrar. Tou preocupado com Galerão – responde Half, passando o giz na ponta do taco, e continua. – Da última vez que ele andou por aqui, tava querendo entender o que significa U.S. Saloon. Por mais que eu repita que é “Salão Estados Unidos”, ele não se conforma. Diz até que tem alguma mensagem secreta, criptografada por trás do nome, algo a ver com a segunda grande guerra, com os alemães…

– Haha, que viagem! – riu Saló.

– Sim, com os alemães, é sério. Galerão fica o tempo todo ruminando esse nome… Um tempão. Primeiro, ele desconfia que aquele us significa ‘nós’, em internetês; ou ‘nosso’, em inglês militar, vertente internacional, nome que ele mesmo inventa. Da última vez que eu vi ele, ele saiu em disparada, gritando: bye, bye, preciso estudar inglês! E até hoje não voltou mais aqui.

Mas, como acontece em novela e filme, Galerão acaba de chegar adentrando aquele que é o maior salão de sinuca de Parnasia. Havia dois outros salões, mas o U.S. Saloon, por ser o maior e mais bem decorado, é o que sedia as semifinais e finalíssima dos campeonatos promovidos na cidade.

– Pronto! Agora já sei! – grita Galerão.

– O que, rapá? – pergunta Half.

– Já sei o significado do nome U.S. Saloon. Com muita dificuldade traduzi assim ó: a letra U quer dizer you, cuja tradução para o português parnasiano é tu. S quer dizer ass, tradução: asno, jumento, baleco ou jegue.

– Mas, peraí, ass pode ser também tua bunda, teu cu… – arrematou Maruzinho, seguido por uma gargalhada geral.

Por essa Galerão não esperava. Ainda sem dominar plenamente o assunto, faz cara de entendido e se sai com esta:

– Sim, pode ser, mas ninguém ia botar, num estabelecimento comercial, onde o dono precisa focar na fidelização da clientela, como se diz lá no curso de… com perdão da palavra… curso de empreendedorismo, um nome deste: Salão Teu Cu? Nada a ver.

– Então, tu achas o quê? – pergunta Saló.

– Acho, não. Eu tenho é certeza! U.S. Saloon se traduz assim, ó: Salão Tu Jegue, mas dá pra escrever junto Salão Tujegue, ponto! – conclui Galerão.

– Haha! – riem todos, enquanto Half erra mais uma tacada, dessa vez, na bola sete.

– E tem outra… – retoma Galerão, agora com mais confiança. Eu estudo inglês, negada. Descobri muita coisa. Descobri, por exemplo, que inglês é uma língua muito estranha, muito doida.

– E por quê?

– Por exemplo – prossegue Galerão. Como é que se diz berinjela em inglês?

A pergunta é esperta porque essa ele tinha preparado e memorizado.

– Berinjela, haha, quem vai saber?

E prosseguiu:

– Berinjela é eggplant. Egg é ovo. Plant é planta. Mas planta não bota ovo! Digam aí, não é muito estranha, essa língua inglesa?

– Verdade – admitiram todos.

– E abacaxi, como é que se diz? (silêncio prolongado). Devia ser ananas ou algo parecido. Mas, não, abacaxi é pineapple. O que é pine? Pine quer dizer pinho. E apple? Essa é fácil. De fato…

Apple é maçã! – dizem todos, quase ao mesmo tempo.

– Então? O que tem abacaxi a ver com pinho e maçã? Não é estranho? E tem mais ainda, hamburger, por exemplo. Ham não é presunto? Haha, nada a ver.

Todos se entreolharam, admirados com o progresso de Galerão.

 

(próxima crônica: “GALERÃO VAI FAZER UMA PÓS”)

__________________________________________________________

Escute o texto com a narração do próprio autor: