A violência doméstica no Brasil apresentou um aumento durante o período de isolamento social, devido à pandemia do novo coronavírus. Um paradoxo que alerta para um problema antigo que precisa de atenção. Durante a quarentena, milhares de mulheres têm se resignado perante a violência dos parceiros dentro de casa. Com as medidas de isolamento social, casais são obrigados a viver juntos por tempo indeterminado, as mulheres se encontram em uma situação ainda mais delicada que antes. Devido ao medo de contágio pelo coronavírus, as vítimas também não têm recorrido aos hospitais. Restando como solução apenas as denúncias anônimas.

 

O Brasil registrou um aumento no número de denúncias, assim como a Argentina e a Colômbia e é o país onde mais mulheres morrem na América Latina. De acordo com dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, as queixas por telefone aumentaram 17,97% nos nove dias seguintes à data em que o confinamento entrou em vigor. No Piauí, a Secretaria Estadual de Segurança Pública, através do Núcleo de Estatística da Secretaria de Segurança, informou que no último mês de março foram registrados 593 crimes de violência contra mulheres, contra 827 e 881 nos meses janeiro e fevereiro deste ano, totalizando 2.301 casos nos três primeiros meses de 2020.

 

“A violência doméstica passa pela violência física como socos, tapas, a violência psicológica em que o homem intimida, ameaça; a violência patrimonial, em que essa mulher é impedida de usufruir do seu salário, por exemplo. Pode ser ainda uma violência moral através de injúrias, ofensas, então todos essas violências existem e precisam ser denunciadas. Nós temos agora na delegacia virtual a possibilidade de registrar a ocorrência, tem ainda o aplicativo Salva Maria, o 180 e 190, ou seja, nós temos vários mecanismos de denúncia”, esclarece a delegada Bruna Verena, Coordenadora do Departamento Estadual de Proteção a Mulher do Piauí.

 

Neste momento de pandemia, a Secretaria de Segurança reforça a importância do isolamento social, ampliando também os serviços para notificação de crimes, como o uso do 190, através da Polícia Militar e pela Delegacia Eletrônica (http://dv.pc.pi.gov.br/index.php). A delegada Bruna Verena  ressaltou que em Teresina, existem Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher em todas as zonas da capital. “Nos municípios do interior, as mulheres podem recorrer a delegacia local que também estão capacitadas para fazer esse atendimento mais humanizado e ainda através dos mecanismos eletrônicos”, recomenda.

 

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Violência não surge do nada

 

A psicóloga Taína Marques afirma que o isolamento social não só provocou esse aumento nos casos de violência doméstica, mas também o número de divórcios e debater sobre saúde emocional pode ajudar a entender esse fenômeno de como essa pandemia alterou a dinâmica familiar. Ela observa que esses casos não acontecem por acaso, pois em sua maioria, os homens já demonstram traços violentos ao longo de todo relacionamento.

 

“A violência não surge do nada e esse momento do isolamento social aguçou o que já existia, mas que devido à falta de convívio estava esquecido. Agora que estamos diante de uma situação de termos que lidar com a pressão emocional, essa linguagem violenta vem à tona. Outra razão tem muito a ver com a falta de intimidade entre o casal e a família, pois os lares estavam servindo apenas como dormitórios e com o atual cenário, a falta de intimidade emocional, de compreensão entre o casal, intolerância, falta de respeito e de cuidado abrem margem para que essa violência possa acontecer. É importante aprender a conversar e compartilhar tarefas”, esclarece.

 

Ainda de acordo com a psicóloga, é possível perceber sinais de um relacionamento abusivo ainda na fase inicial, por mostrar ser uma relação que tira do outro a liberdade – como o direito de ir e vir – ou muda os ciclos de amizade. Formas de comportamento em que o agressor dita como a mulher deve se comportar, que horas pode falar, sorrir e até mesmo o modo de se vestir são fortes indícios no início do namoro de que esse homem pode se tornar um agressor. O ciúme exacerbado é outro forte indício para violência.

 

“O agressor sempre vai vestir uma roupagem de vítima, em que diz que só tem determinado comportamento porque a vítima deu motivo, pois há um movimento de tornar a mulher culpada. Não existe um perfil enquadrado de quem é o agressor, mas existem alguns traços que podem começar a ser identificados ainda na infância”, acrescentou.

 

Taína Marques destaca que o agressor utiliza a violência como forma de linguagem porque já tem no seu comportamento uma forma violenta de agir. Ele, por exemplo, para se fazer ouvir, aumenta o tom da voz, põe e expõe a sua força física que também está muito ligada à virilidade do homem. (W.B.)

 

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Feminicídio é último estágio da violência

 

No último fim de semana, a sociedade piauiense ficou perplexa com o assassinato da médica Caroline Naiane Brito Barbosa, de 33 anos, que foi morta com 17 facadas, na frente da filha de 5 anos dentro do apartamento onde morava, em um condomínio no bairro Primavera, zona Norte de Teresina. O ex-marido de Caroline, Kelson de Alencar Andrade, é o principal suspeito. Ele morreu em um acidente na BR-316 horas depois do crime. De acordo com a Secretária de Segurança Pública, em apenas três meses, o Piauí registrou quatro feminicídios.

 

A Superintendente da Gestão de Riscos da Secretaria de Segurança Pública do Piauí, delegada Eugênia Villa, endossa que feminicídio, ou seja o assassinato de mulheres em contexto de violência doméstica ou em aversão ao gênero da vítima –misoginia, é o estágio final dos casos de violência doméstica em que já existiu algum histórico de violência no passado, mas essa vítima não consegue reconhecer os sinais de que está sendo violentada.

 

“Às vezes o nome violência não é muito bem assimilado pelas mulheres, elas se recusam a compreender essa palavra, talvez se mudarmos a denominação para cativeiro e dominação, em que esse homem faz o controle dessa mulher e quando essa mulher perde a sua soberania”, avalia.

 

Segundo a delegada, nos locais de crime de feminicídio é comum encontrar cenas em que o assassino quer se desfazer dos atributos da mulher. “Se a mulher é uma exímia cabeleireira, ela vai ser escalpelada, para transformar aquele atributo dela em algo simbólico, em algo que possa ser destruído e jogado na sarjeta. Quando a violência ou esse cativeiro te incomodar nos teus atributos, se aquela ofensa te incomodou na tua subjetividade chegou a hora de ir até uma delegacia. Não espere acontecer o pior”, orienta. (W.B.)

 

Maria da Penha e Feminicídio são leis complementares

 

Pesquisas apontam que 66% dos feminicídios acontecem na casa das vítimas e são praticados por familiares ou conhecidos. Além disso, parte das ocorrências não gera atendimento e nem notificação, contribuindo assim para a invisibilidade da violência contra a mulher, por isso é tão importante a denúncia dos casos de violência.

 

Dessa forma, a delegada Eugênia Villa, destaca que a Lei do Feminicídio veio trazer uma rubrica própria ao assassinato das mulheres, tanto em relação à violência doméstica e familiar, onde o agressor é conhecido, mas também na perspectiva que essa mulher é assassinada pelo simples fato dela ser mulher, devido ao menosprezo e discriminação ao gênero feminino.

 

“Nós trabalhamos a perspectiva de que nesse mandato da masculinidade no gesto expressivo que nós encontramos no feminicídio, que se dissocia do homicídio geral, por ter uma linguagem violenta, que excede o simples desejo de matar uma pessoa. Se para tirar a vida de uma pessoa é suficiente apenas uma estocada com faca, no feminicídio o agressor desfere 17 facadas e ainda atinge os órgãos íntimos, os pontos simbólicos das mulheres. O feminicídio tem uma rubrica própria, uma linguagem que surpreende o espectador e deixa uma mensagem violenta”, pontuou.

 

A delegada enfatizou ainda que embora tratem de casos de violência contra a mulher, as leis Maria da Penha e a do Feminicídio são textos distintos na legislação brasileira, mas que podem ser considerados complementares. A Lei Maria da Penha foi criada em 2006 com o objetivo de proteger a mulher que é vítima de violência doméstica, já a Lei do Feminicídio trata diretamente de mulheres assassinadas por serem do sexo feminino. Está prevista no código penal desde 2015 e define uma pena maior do que nos casos de homicídio. A Lei Maria da Penha pode ser usada para provar um feminicídio e, assim, aumentar a pena do acusado. (W.B.)

 

Fonte: Meio Norte