A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – oito votos a dois, até o momento – votou pela condenação do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) por corrupção passiva (receber vantagem indevida) e peculato no processo do mensalão.
Dos votos, quatro foram proferidos nesta quarta-feira (29). Ainda falta o voto de um ministro, o presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, que apresentará sua posição nesta quinta (30).
Cunha foi acusado de receber R$ 50 mil no ano de 2003, quando era presidente da Câmara dos Deputados, para beneficiar agência do empresário Marcos Valério.
A maioria dos ministros do Supremo também decidiu pela condenação de Marcos Valério e de seus ex-sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz pelos crimes de corrupção ativa (oferecer vantagem indevida) e de peculato em relação aos desvios na Câmara.
As penas para os réus que vierem a ser condenados só serão conhecidas ao final do julgamento – entenda como será feito o cálculo das sentenças.
Até agora, os dez ministros deram seus votos apenas em relação ao item 3 da denúncia da Procuradoria Geral da República, sobre desvio de verbas na Câmara dos Deputados e no Banco do Brasil, primeiro dos sete tópicos que serão analisados pelo Supremo.
Quatro ministros votaram pela condenação de Cunha – por corrupção passiva e peculato – e do grupo de Marcos Valério – por corrupção ativa e peculato – nesta quarta-feira: Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello. Os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa já haviam apresentado sua posição, totalizando oito votos. A maioria pela condenação se formou com o voto de Mendes.
Dois ministros votaram pela absolvição de Cunha e do grupo de Valério: Dias Toffoli e o ministro-revisor Ricardo Lewandowski. Todos os ministros ainda podem mudar o voto até a proclamação do resultado, que ocorre ao final do julgamento.
Sobre a segunda acusação de peculato contra João Paulo Cunha, no suposto desvio de R$ 252 mil de contrato com agência de Valério para contratação de assessor particular, o parlamentar foi inocentado por seis ministros: Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Quatro ministros votaram pela condenação: Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Em relação ao crime de lavagem de dinheiro, também contra Cunha, houve maior divergência nos votos. Cinco ministros votaram pela condenação: Gilmar Mendes, Celso de Mello, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Outros quatro foram pela absolvição: Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello. A ministra Rosa Weber informou, ao dar seu voto, que analisaria a questão posteriormente. Ayres Britto deve se manifestar nesta quinta sobre o tema.
Ao final da sessão, o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, comentou sobre a interpretação de alguns colegas de que não havia crime de lavagem de dinheiro em razão da ausência de um crime anterior. “A lavagem de dinheiro fica em uma zona cinzenta, muito tênue quanto as suas fronteiras”.
Segundo o ministro, a denúncia usa a organização criminosa como o crime antecedente, mas a figura não existe no ordenamento brasileiro. “Na nossa legislação, não há essa figura da organização criminosa. A menos que o MP falasse de organização criminosa em linguagem coloquial”, concluiu.
Despedida de Peluso
A sessão desta quarta foi marcada pelo último voto dado pelo ministro Cezar Peluso no Supremo Tribunal Federal. Ele deixa o tribunal na próxima segunda (3) com 70 anos, idade-limite para aposentadoria dos ministros da corte. Com sua saída, o Supremo ficará com dez ministros até que a presidente Dilma Rousseff indique um novo nome para a vaga.
Ao término do voto, Peluso anunciou a aposentadoria e recebeu homenagens no plenário do Supremo. “Juiz não condena por ódio”, afirmou. Peluso proferiu o voto e foi o primeiro a dosar o montante das penas para eventuais condenações. Isso porque não vai mais participar dessa fase de dosimetria, quando as penas serão definidas por todos os ministros.
Cezar Peluso sugeriu seis anos de prisão para João Paulo Cunha, com a perda do mandato parlamentar, e 16 anos de prisão para Marcos Valério.
Desvios na Câmara
O ministro Celso de Mello classificou servidores públicos que corrompem ou são corrompidos como “profanadores da República” e “infratores do erário”.
“Agentes públicos que se deixam corromper, qualquer que seja sua posição na hierarquia do poder, e particulares que corrompem os servidores do Estado, quaisquer que sejam os meios empregados e as vantagens indevidamente oferecidas, prometidas, irrelevante a destinação que lhe seja dada, quer para necessidades pessoais, quer para partido, ou até mesmo para praticar atos de benemerência social, são corruptos e corruptores, os profanadores da República, os delinquentes, marginais, os infratores do erário, que trazem consigo a marca da indignidade.”
Para Cezar Peluso, há provas da prática de crimes por parte dos réus em relação aos desvios na Câmara. Ele afirmou ter ficado claro que a relação entre João Paulo Cunha e Marcos Valério “não se tratava de cortesia”.
“Um político experimentado – jamais se chega por acaso à presidência da Câmara – teria que conversar com um publicitário sobre a situação política do país? O que estava por trás dessa aproximação e dessas gentilezas ao presidente da Câmara? Não se tratava de uma cortesia ou de um ato de elegância”, disse o ministro.
Para o MPF, os desvios na Câmara somaram R$ 1,077 milhão, uma vez que a agência de Valério recebia sem executar os serviços.
Em sua argumentação, Gilmar Mendes afirmou também que os autos mostram “inequívoco” favorecimento de João Paulo Cunha ao grupo de Valério. “Apesar do esforço da defesa, a prova evidencia que o dinheiro não teve origem no PT. O valor saiu da conta da SMP&B. Não há o que discutir, acompanho o relator”, afirmou Mendes.
O ministro Cezar Peluso entendeu que houve peculato por conta da subcontratação. “Uma empresa de publicidade apresentada como uma das maiores do Brasil não tem capacidade para fazer um texto desse? Precisa subcontratar? Só fez 2% do serviço. […] Um grande guarda-chuva, como diz a denúncia, que serviu para que esses gastos hipertrofiados pudessem ser recebidos em dano da administração pública. Também reconheço a existência do crime e condeno.”
“Restou configurado o desvirtuamento do ajuste, e as subcontratações verificadas ocorreram com autorizações do próprio acusado”, afirmou também o ministro Marco Aurélio Mello.
Sobre lavagem de dinheiro, Peluso entendeu que não há provas. Gilmar Mendes, por sua vez, disse que “se fazem presentes” os elementos de lavagem. “Não se tem apenas o recebimento [do dinheiro]. O dinheiro recebido foi reinserido na economia formal.”
Em relação à contratação do assessor na Câmara, Marco Aurélio Mello divergiu dos votos de Peluso e Gilmar Mendes. “Não tenho como afastar o cometimento do peculato, considerada essa subcontratação, porque ocorreu de modo praticamente a acomodar uma situação e ter-se a prestação da assessoria do jornalista sem o desembolso de João Paulo Cunha. A rigor se utilizou verba pública para contar-se com esse serviço.”
Ainda na avaliação de Marco Aurélio, não é válido o argumento da defesa dos sócios de Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach de que só são réus pela condição de sócios. “Não tenho como deixar nesse contexto de acompanhar o ministro relator, aqui nós constatamos que não foram denunciados todos os diretores da agência, dois foram deixados de fora. O que demonstra que a denúncia não partiu da simples qualidade de sócios. E a DNA seria uma empresa controlada pelo grupo da agência principal, a SMP&B. Cristiano e Hamon tinham conhecimento das práticas.”
Desvios no Banco do Brasil
Até agora, todos os dez ministros que votaram decidiram pela condenação do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato por corrupção passiva e peculato e de Marcos Valério e seus sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz por corrupção ativa e peculato. Oito dos dez ministros votaram condenação de Pizzolato por lavagem de dinheiro – Marco Aurélio votou pela absolvição e Rosa Weber não analisou o crime.
O Ministério Público acusou o ex-diretor de Marketing Henrique Pizzolato de receber R$ 326 mil em propina para beneficiar agência DNA Propaganda, de Valério. Ele também teria autorizado, diz a denúncia, o repasse de R$ 73,8 milhões do fundo Visanet para empresa de Marcos Valério.
Para Gilmar Mendes, que votou nesta quarta, o desvio no Banco do Brasil é “fato extremamente grave”. “Se cuidava de recursos públicos. Ficamos perplexos. Quando ouço os relatos nesse processo, eu penso: o que fizeram com o Banco do Brasil? Em operações relativamente singelas se tira dessa instituição R$ 73 milhões sendo que não era para prestar serviço algum. Quanto nós descemos na escala das degradações? É um fato extremamente grave”, argumentou Mendes.
Os dez ministros também votaram por absolver o réu Luiz Gushiken – ele havia sido denunciado por peculato em razão do suposto envolvimento, mas a Procuradoria Geral da República pediu a absolvição por falta de provas. “Destaco o juízo absolutório no que se refere Luiz Gushiken e entendo que realmente não há dúvida de que sua absolvição se impõe”, afirmou o ministro Celso de Mello.
Fonte: G1.Globo.com