MAIS UM POUCO
Vitor de Athayde Couto
Alguns leitores ficaram tão ansiosos e tão entusiasmados que chegaram até a perguntar se ia ter a segunda parte da crônica “E por falar em cocô…”
Um deles chegou a enviar matéria jornalística intitulada “Usar fezes humanas como adubo é sustentável?”. Há séculos os latifundiários chineses obrigavam os camponeses e seus familiares a fazerem o número 2 num mesmo lugar. Esse penicão coletivo era frequentado pelos habitantes de toda a aldeia. Diariamente o produto era levado para biodigestores que produziam gás e adubo. Ainda hoje o processo continua, porém em bases mais modernas. Assim, atendendo a pedidos, segue mais um pouco…
– Mais um pouco de quê? – pergunta Anaís.
– De cocô, claro. – responde Mani.
– Claro, por quê? Cocô não é escuro?
– Depende.
– Depende de quê?
– De estudo. Muito estudo. Então, já deu pra notar que é preciso pesquisar bastante, analisar detalhes para adquirir proctoconhecimento. Até porque, quem estuda pouco não retém nada mais do que mero protoconhecimento.
– Ei, não tá faltando um “c”?
– Não.
– Não entendi.
– Eu sei. É por essa razão que insisto o tempo todo: é preciso estudar muito sobre o cocô antes de qualquer coisa. Tem muita gente que não entende nem de merda e fica dando palpite sobre qualquer assunto. Tá errado. Primeiro tem que meter a mão na merda. Isso mesmo, mãos limpas não escrevem palavras certas. E, o que é pior, publicam sobre qualquer coisa, achando que sabem tudo. Chegam até a arbitrar quem são os melhores nisso, os melhores naquilo… Portanto, quem quiser adquirir conhecimento…
– Tem que começar pelo cocô!
– Isso mesmo, Anaís. Já vi que está começando a entender. Agora você tem que fazer o dever de casa e depois me responder se o cocô é claro ou escuro. E por quê! O porquê é o mais importante.
– Você é muito chata, viu?
– Eu sei, querida. Sei também que o conhecimento incomoda.
– Não, amiga. É brincadeirinha – disse Anaís, segurando a mão de Mani – sou preta mas sou limpinha.
Hahaha, riram juntas, e Anaís retomou o assunto, agora mais séria:
– Pois é, Mani, ao contrário de você que é branca, eu não tive a oportunidade de frequentar boas escolas. Gosto de aprender com você. Sou muito grata por tudo o que você me ensina. Quem se incomoda é quem não quer aprender nada. A ignorância dificulta e até impede, por exemplo, a vacinação das crianças. Por isso as doenças de primeira infância, que já estavam controladas, começaram a voltar.
– Mani segurou a mão negra de Anaís, e, depois de um longo e terno abraço, aproximaram suas bocas. Seguiu-se um longo beijo.
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Ouça o texto com a narração do próprio autor: