Médico diz que Lais sorri, toma sol no jardim, fala muito e canta: ‘Vitórias’
Sentada numa cadeira de rodas, a moça não nega um sorriso a quem passa pelos jardins do Jackson Memorial Hospital, em Miami. O banho de sol é uma conquista grande para quem há exatamente um mês sofreu um acidente durante uma descida na pista de esqui de Park City, em Utah. Naquele 27 de janeiro, Lais Souza se chocou com uma árvore, teve um trauma severo na terceira vértebra cervical e precisou ser submetida a uma cirurgia para fazer o realinhamento. O quadro era grave. Não mexia braços e pernas, e a possibilidade de ficar dependente de uma máquina para respirar, existia. Havia risco de morte. Passados 30 dias, ainda continua sem movimentos. Tem sensibilidade em algumas partes do corpo e comemora cada progresso que fez até aqui. Saiu da UTI para a unidade semi-intensiva. Se emocionou ao ver que conseguia respirar e comer sozinha novamente.
De acordo com Antonio Marttos Jr, médico do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Lais está sendo preparada para ter autonomia em uma cadeira de rodas.
– Ela poderá entrar no carro, vir fazer fisioterapia, dirigir sua cadeira de rodas elétrica, ir a restaurante, cinema e, tão logo seja possível, a levarei para assistir a um jogo de basquete da NBA. Ela nunca deixou de sorrir um só dia, mesmo nos mais difíceis. Está cantando como parte da fisioterapia. Está aprendendo e comprovando que pode realizar uma série de atividades, apesar das limitações físicas que tem neste momento e, enquanto mantém o trabalho diário por cada evolução. O que pode parecer pouco para todos nós, é muito para ela. Por isso, estamos extremamente contentes com todas as grandes vitórias que Lais teve até este momento – disse.
Dia desses, recebeu a visita de um ginasta dominicano que também está sendo tratado no The Miami Project to Cure Paralysis, comandado pelo neurocirurgião Barth Green. Há dois meses, o diagnóstico era de uma lesão completa de C5. Não movimentava braços e pernas. A situação agora é outra.
– Ele a visitou em cadeira de rodas, move os braços e está começando a mover as pernas. É por ter exemplos como esses que em Miami nos recusamos a fechar o prognóstico da Lais. Ainda existe edema e hematoma a ser reabsorvido, e temos muito a fazer com nossas pesquisas e novos protocolos de tratamento. A cura biológica e mecânica estão avançando muito.
Até meados de março, a equipe médica espera que sejam liberados os protocolos para o pedido de tratamento inovador feito por Barth Green: terapia de transplante de células nervosas, que até hoje só foi usada em pacientes paraplégicos. A expectativa do COB é que Lais permaneça em tratamento nos Estados Unidos pelos próximos quatro meses. Confira abaixo a entrevista por email com Antonio Marttos Jr.
GLOBOESPORTE.COM: Qual a sua recordação do primeiro momento que encontrou Lais após o acidente?
Antonio Marttos Jr: Inicialmente vi uma atleta que eu conhecia e é muito querida do Brasil em uma situação delicada. Imediatamente, me reuni com a equipe médica que a estava assistindo, o neurocirurgião e a intensivista para entender o que aconteceu e planejar as próximas ações. Na primeira hora no hospital, já realizamos uma videoconferência na qual conectamos em Utah especialistas do Brasil e do mundo neste tipo de lesão. Do Brasil, o doutor João Grangeiro, diretor médico do COB, assim como doutor Barth Green, direto de Miami, e os doutores Osmar Moraes, Breno Schor e Carlos Tucci, de São Paulo. Desde o início reconhecemos a extrema gravidade da lesão e realizamos um planejamento minucioso para as próximas ações, contemplando o curto, médio e longo prazo.
Um mês depois do acidente, como avalia a situação dela?
Infelizmente Lais teve uma lesão muito grave e muito alta na coluna cervical, e correu alto risco de morte. Felizmente, com muito trabalho e dedicação de toda a equipe de saúde de Utah, e posteriormente do Jackson Memorial Hospital – Universidade de Miami, conseguimos controlar todos os problemas. Ela tinha risco de ficar dependente de uma máquina para respirar o resto da vida. Então, o que conseguimos neste primeiro mês foi fundamental para se diminuir os riscos de morte e principalmente para oferecer o máximo de qualidade de vida para a Lais dentro das condições atuais.
Quais os maiores progressos nesse período e qual a próxima etapa a ser vencida?
Lais comemorou muito cada conquista. Se emocionou e emocionou a todos quando conseguiu respirar sozinha, comer pela boca, ir aos jardins do hospital tomar sol. Hoje ela está sem a traqueostomia e gastrostomia, respira sozinha, come de tudo, se comunica o tempo todo com todos ao seu redor, fala muito… Ela já consegue ficar sentada sem cair a pressão e está passeando em cadeira de rodas, diariamente, pelos jardins do hospital. É uma pessoa muito especial. Está ciente de tudo o que está acontecendo. Esta focada em cada etapa de sua recuperação. Ela sabe que não podemos prometer 100% de recuperação e que vai ter que adaptar sua vida neste momento. Mas sabe também que a lesão existe e que está tendo acesso a tudo o que há de mais moderno na medicina para que possa ter uma possibilidade de evolução. O momento é de muito avanço e muita esperança para a cura de lesões de medula.
Lais teve algum progresso com relação à parte motora? Tem sensibilidade em algum outro lugar além dos já falados?
Lais apresentou uma lesão muito grave e alta na região cervical. Ela não teve uma secção completa da medula. Teve contusão grave, com hemorragia e áreas de isquemia. Existem áreas na medula responsáveis pela parte motora e outras pela parte sensitiva. Existem estímulos sensitivos passando abaixo do nível da lesão. Ela está respirando sozinha, tem sensibilidade nos braços, alguns dedos, sente parte do tórax e áreas na região do abdômen e pés. No entanto, a parte motora não evoluiu abaixo do nível da lesão que é de C3.
Havia a intenção de tentar uma autorização para a terapia de transplante de células nervosas. Continua?
Sim. Temos protocolos aprovados e pacientes com lesões torácicas recebendo este tratamento. Estamos empenhados e Lais será provavelmente uma das primeiras pessoas no mundo a receber este tratamento para uma lesão cervical alta.
O senhor disse que Lais tem emocionado toda a equipe. Há algo que tenha dito ou pedido que marcou?
Lais é muito forte emocionalmente. Está acostumada a etapas, fases de treinamento e recuperação. Está tendo um acompanhamento de equipes de fisioterapia respiratória, motora, ocupacional e psicologia. O foco tem sido passar por cada fase, com tranquilidade. E estudos mostram que de nada adianta focar no primeiro momento na parte motora. Sabemos que, nessa fase a chance de não evolução do quadro motor é muito maior do que o de recuperação. Doutor Green disse para Lais que a maioria de pacientes com a lesão dela talvez não tivessem sobrevivido até chegar ao hospital, principalmente se o atendimento inicial fosse demorado ou não adequado. No entanto, Lais está ciente de que independentemente do grau de recuperação motora que for alcançado, ela está pronta para lutar. Se for preciso, ela quer ser 1 em 1 milhão. Ela sabe que medicamente terá acesso a tudo, tanto para a cura biológica como mecânica.
Como a presença da mãe tem ajudado na recuperação dela? E como a ida de Josi Campos pode contribuir no processo?
Dona Odete, a amiga e fisioterapeuta Denise Lessio, nossa medalhista do vôlei de praia e integrante do COB Adriana Behar, além de outras pessoas próximas à Lais têm sido fundamentais nesta fase de recuperação e serão ainda mais importantes nas fases futuras. Lais está sendo preparada para ficar sentada e ter autonomia em uma cadeira de rodas.
Já é possível fazer alguma previsão de quanto tempo mais ela precisará ficar em Miami?
O COB tem sido fantástico e fundamental desde o momento da lesão da Lais. Existem muitas pessoas trabalhando, muitas silenciosamente em cada processo desde o acidente. Lais começará a ter aulas de inglês, fará outros cursos em diversas áreas. Ela está tendo acesso a tudo de mais moderno e recente que existe para o tratamento necessário a este tipo de lesão. Lais permanecerá em Miami o tempo necessário até que possa retornar ao Brasil sem riscos.
Fonte: Globo Esporte