Memória ferroviária de Parnaíba: a história que passa sobre os trilhos
Os trilhos que cortam a planície de Parnaíba guardam memórias de um tempo em que o trem era sinônimo de progresso. A construção da Estrada de Ferro Central do Piauí começou em 1913 e, décadas depois, ligou Teresina à cidade. No entanto, o projeto acabou sendo visto como um “elefante branco” e, infelizmente, foi desativado.

Entre o movimento intenso dos trens e o silêncio que hoje domina os trilhos, Parnaíba construiu parte importante de sua história — uma história feita de chegadas e partidas, encontros na estação, cargas e sonhos que viajavam sobre o ferro. Atualmente, o Museu do Trem é um dos lugares onde ainda é possível reviver essa memória.
O crescimento urbano aconteceu ao redor dos trilhos. O apito do trem ditava o ritmo da cidade e a estação era ponto de encontro e comércio. Hoje, mesmo sem a passagem dos trens, o trabalho de historiadores e a preservação da antiga estação mantêm viva a herança ferroviária que ajudou a moldar Parnaíba.
“O transporte ferroviário chega em Parnaíba, em 1916 a gente vai ter o lançamento da pedra fundamental da construção da estrada de ferro central do Piauí. Uma estrada de ferro que foi pensada juntamente com a construção de um porto que era para transportar as riquezas do estado. Parnaíba foi escolhida e lutou muito também para a construção dessa ferrovia porque ansiava-se alavancar esse mercado que já estava instalado na cidade. Parnaíba já era uma cidade que tinha um comércio bastante desenvolvido, fazia relações comerciais não só com o Brasil, mas também com outros países da Europa e daí o transporte ferroviário chega. Ele é construído em partes porque a princípio ele vai ligar Parnaíba até Piracuruca e fica assim durante muitos anos. Então a ideia que era ligar Parnaíba ao interior para transportar essas mercadorias, não vou dizer que ele é frustrado porque ele vai servir e vai ter uma importância muito grande, mas a construção, a finalização se é que a gente pode dizer assim, ela acontece na década de 60. Então somente na década de 60 a estrada de ferro ela consegue ligar Parnaíba à Teresina”, disse.

O economista e museólogo Antônio Melo, neto de um antigo ferroviário, foi responsável pelo inventário das peças do acervo do Museu do Trem, ajudando a preservar essa história. Ele relembra não só a trajetória da ferrovia na cidade, mas também a ligação pessoal que herdou do avô.
“Eu, como parnaibano, não de nascença, mas de criação, já moro aqui há mais de 25 anos, eu tive um avô que foi funcionário da Estrada de Ferro, ele era guarda da Estrada de Ferro Central do Piauí, então para mim é uma grande satisfação, inclusive porque realizei esse trabalho de conclusão do meu mestrado, no ano de 2016 e 2017, exatamente sobre o acervo do Museu do Trem do Piauí. Então eu como economista e museólogo não poderia deixar de falar sobre a importância econômica que a Estrada de Ferro teve na vida de Parnaíba, na vida do parnaibano, e aí o que restaram foram apenas as memórias, memórias de pessoas que viveram naquela época”, explicou.

Segundo Antônio, o Museu do Trem é peça-chave para manter viva a história ferroviária local.
“Esse museu conta com um acervo de mais de 400 peças, dentre as mais variadas, equipamentos, vestidos, capacetes, roupas, jalecos de funcionários da época da Estrada de Ferro, conta com um grande acervo de fotografias, quadros da época de funcionamento da estação, conta com pedaços de trilhos do trem, com pinos, com ferramentas que eram utilizadas para a manutenção da Estrada de Ferro, conta com a catraca por onde passavam os passageiros, já que essa é a estação onde os passageiros aguardavam o trem, então tem um acervo muito rico”, ressaltou.
Mas por que a ferrovia não acompanhou o ritmo de crescimento urbano e econômico de Parnaíba? Para muitos, a resposta está em fatores políticos e econômicos que levaram à sua desativação.
“A ferrovia não conseguiu se sustentar aqui na cidade de Parnaíba por conta de uma dificuldade principalmente política, se deve principalmente uma perspectiva política, também uma perspectiva econômica, porque não havia justificativa política e econômica na época do processo de desativação que sustentasse a ferrovia, pelo menos isso era uma justificativa apontada na época. Que época eu tô falando? Na época do processo de desativação da rede ferroviária federal, a Refesa, que ocorreu nos anos 90, o processo de privatização da malha ferroviária brasileira. Então aqui no Piauí não seria diferente em boa parte dos estados brasileiros que perderam sua malha ferroviária em detrimento da construção de rodovias e a gente está falando década de 50 com o Juscelino Gubitschek, que inicia todo um processo de construção de rodovias em todo o território nacional e as ferrovias foi perdendo aos poucos o, vamos dizer, o protagonismo. Se antes se colocava muito verba do governo federal na construção e manutenção dessas ferrovias, a partir da década de 50 isso não vai ser, vamos dizer, primordial. Começa a se desenvolver, a fortalecer as rodovias em detrimento das ferrovias”

Parte do acervo ferroviário está hoje em São Luís, o que representa mais um desafio para preservação.
“Boa parte do acervo dos ferroviários da Estada de Ferro Central do Piauí está lá em São Luís e também uma dificuldade muito grande de manter esse acervo, que é um acervo razoável, mas é um acervo bem significativo da Estada de Ferro, que eu não estou falando só Parnaíba, estou falando ferrovia numa perspectiva geral, aí aborda cidades como Cocal, Piripiri, Piracuruca, Altos, Teresina. Então é um acervo grandioso que precisa ser observado e eu acho que o Instituto do Patrimônio tem um papel fundamental nesse processo de catalogar esse acervo, preservar esse acervo e manter esse acervo vivo na memória da população que convive ao seu redor e convive com esse acervo nas suas cidades.”
Hoje, muitos passam pelos trilhos sem imaginar a importância cultural e histórica que eles carregam.
Parnaíba já não escuta o apito do trem, mas ainda guarda no coração o caminho dos trilhos. Cada pedra da antiga estação e cada peça do museu lembram que a cidade cresceu com a força do ferro e a esperança que ele trazia. Preservar essa história é também projetar o futuro — reconhecendo que manter viva a memória é garantir a identidade de uma cidade que nasceu para ser ponto de partida e de chegada.
Memória ferroviária de Parnaíba: a história que passa sobre os trilhos
Latam retoma voos em Parnaíba com rota direta para fortaleza a partir de setembro