Segundo amplamente noticiado, no esquema do Mensalão “funcionava uma impressionante máquina montada para desviar dinheiro dos cofres públicos e, com ele, subornar parlamentares e comprar partidos políticos”.
Muitos pensam que este é só mais um caso isolado de corrupção, mas não é bem assim! O Mensalão é o mais grave de todos os escândalos de corrupção já existentes no país, porque traz seriíssimas consequências ao longo do tempo, surte efeito por muitos anos, com repercussão, inclusive, no comportamento de toda uma população e, principalmente, afetando o exercício do poder jurisdicional.
Na realidade, o Mensalão tem estreita relação com o Direito, e, mais especificamente, com a Teoria Geral do Processo, isto porque o Direito disciplina nossas condutas através das normas, que são elaboradas poder legislativo.
São as normas de Direito Material que direcionam as nossas condutas e disciplinam as nossas relações no dia a dia, os bens e as utilidades da vida. E os Juízes, quando exercem a jurisdição, buscam a realização prática destas normas.
Dessa forma, se o dinheiro desviado dos cofres públicos era utilizado para comprar apoio no Congresso Nacional, a fim de que ali fossem elaboradas normas que dessem sustentabilidade ao governo, tais normas não são legítimas e, por isso, qualquer julgamento com base nelas é inconstitucional.
Em outras palavras, se o Poder Judiciário, nos seus julgamentos, aplicar as normas que foram elaboradas através de um esquema tido como criminoso de compra de votos, estará, ainda que inconscientemente, contribuindo para a manutenção de uma ordem jurídica e social injusta.
Assim, todas as votações importantes no período do mensalão, cujos projetos foram transformados em lei com o apoio decisivo dos líderes de bancada já condenados pelo STF na Ação Penal n. 470, foram eivadas de vícios e, consequentemente, as normas delas resultantes são ilegítimas e inconstitucionais, por ferirem os princípios da representação popular e da moralidade.
Como ensina, Alexandre de Moraes, “a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública […]. Dessa forma, deve o Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringir ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, mas entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo”.
Destarte, considerando que as principais leis da época do mensalão foram editadas em desacordo com a moral administrativa e com o interesse coletivo, são elas inconstitucionais, sendo, portanto, inválidas.
Note-se que no processo jurisdicional, de acordo com o artigo 485, I, do CPC, a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando se verificar que foi proferida por corrupção do julgador; da mesma forma, no processo legislativo, a lei deverá ser anulada, quando se constatar que foi editada por corrupção de legisladores. Afinal de contas, José de Albuquerque Rocha, já afirmava que o “processo, como uma série ordenada de atos de vontade tendentes à produção de um efeito jurídico final, verifica-se não ser este um fenômeno restrito à atividade jurisdicional, mas ocorrente também nas esferas do Legislativo […]”.
Enfim, os princípios da lealdade e da boa-fé processual são exigidos tanto no processo jurisdicional, quanto no processo legislativo, sob pena de nulidade dos atos. Como tais princípios foram violados, todas as leis editadas por influência do Mensalão são inválidas, cuja invalidade deverá ser declarada pela Justiça.