MENTIMOS A CADA OITO MINUTOS

 

Vitor de Athayde Couto

 

Em Parnasia, as crianças mentem desde muito cedo, quando mal aprendem a falar. Foi lá que nasceu e reside Galerão. Invocado, vive cultivando manias. A última? Bem, ele andou lendo resumos dessas pesquisas excêntricas que os ingleses adoram fazer, visando a mais um Prêmio Ignobel de Ciência Aplicada (páica, em parnasianês). Por que a fatia do pão cai no chão com a manteiga sempre virada pra baixo? Se conhecessem Parnasia, aprenderiam que lá isso nunca acontece. Por quê? Ora, os parnasianos e suas padocas preferidas não usam manteiga, só margarina. A fatia do pão pode cair de qualquer jeito, mas nunca terá a manteiga virada pra baixo. Nem pra cima.

 

– Sabem da última pesquisa inglesa? – perguntou Galerão na sinuca.

 

– ??? [silêncio]

 

– É uma pesquisa sobre a mentira. Taqui, ó – falou Galerão, mostrando um recorte de jornal onde se lê: “Mentimos a cada oito minutos”. Pense. Quem chega atrasado a uma reunião, diz o quê? Foi o trânsito! Ou foi o mototaxista que demorou. Não tinha dinheiro, esqueceu a carteira e teve de voltar em casa… Um familiar doente, o cachorro se soltou, deixou o celular no carregador, faltou energia, o controle do portão da garagem parou de funcionar, ou se envolveu em uma briga de vizinhos porque não tinha ninguém pra apartar… O repertório é infinito. Frases como “vou acolá”, “já tou indo”, “já tá vindo”, “tou chegando”, “foi o sistema”, “com certeza”, “rapidinho”, “se garante” – e o indefectível “é jajá”, são a cara deslavada das pessoas pós-modernosas de hoje. Parece que todo mundo foi ao analista e perdeu a vergonha.

 

Já vai longe o tempo em que só havia mentiras rurais, cercadas de inocência, ingenuidade e visagens. A sua função era assustar menino teimoso e entabular conversas entre as pessoas que já não conversam mais, só zapeiam. O escuro das noites na roça reforçava o medo e as mentiras de assombração. Não faltavam almas do outro mundo, lobisomens, vampiros, fachos de fogo, rasga-mortalhas, mulas-sem-cabeça, cucas e sacis.

 

– E políticos – arrematou Maruzinho, pra divertimento da galera.

 

Maruzinho aproveitou pra perguntar a Galerão o seguinte:

 

– E de onde vem a mentira? Quem começou? Foram mesmo os políticos?

 

– Não, Maruzinho. Quem começou foram as nossas avós – respondeu Galerão, prontamente, arrematando sempre tranquilo:

 

– Sim, sim, a mentira vem das nossas avós. Não sei se é por causa dessas igrejas aí… mas não há dúvida, toda vó morre de medo do cão dos infernos.

 

Guirindó, que acompanhava a conversa, sempre conferindo na internet do celular, como fazem os universitários, doidos pra encher o saco do professor e se exibir fazendo cara de intelectual-pesquisador-de-gúgli, perguntou:

 

– Achei 27 nomes do cão, menos o nome “político tranca-ruas”. Diabéisso?

 

(próxima crônica: “DIACHO, PÔXA, É DO CARVALHO!”)

NOTÍCIA: O e-book “Contos de Parnasia” já está disponível, inclusive no kindle. Quanto ao livro físico pode ser encontrado na amazon, americanas, submarino, autografia etc.

 

COMENTÁRIOS:

 

O CASTELO – Recebi comentários de leitores da cidade de Parnaíba (não confundir com Parnasia, que é apenas um arquétipo, um lugar imaginário sem existência concreta). Induzidos pela ilustração do tal “castelo do Thor”, postada no dia 14/01/2022, pedem detalhes que eu desconheço, nunca entrei lá. Mas, ao vislumbrar espectros parnasianos no interior do Brasil, onde se aboletam os novos ricos da soja, observam-se muitos castelos neofeudais extemporâneos –pesadelo para os bons arquitetos. Funcionam como motéis de luxo ou sedes de TORcidas como a Torcida Organizada Rubra, e a impressionante Torcida Organizada Remoçada (TOR, 1989) que tem seu próprio “castelo de Thor” com dois martelos cruzados no portal. Os castelos mais folclóricos já foram assunto de reportagens na grande imprensa ociosa. Essa mania de nobreza tropicalista desvela uma espécie de subcultura breganeja de ostentação. Na falta de algo melhor acabam virando atração turística de tipo B premium.

 

O DEUS THOR – Um leitor-colecionador de fanzines lembra que Thor nunca possuiu castelo – a menos que ele já tenha virado comunista e ingressado na Liga da Justiça e ninguém me avisou. Na liga tudo vale. Qualquer coisa. Já na mitologia nórdica, cf. Edith Hamilton, Thor controla as tempestades percorrendo o mundo numa carroça puxada por dois bodes. Segundo o metaverso marveliano ele esteve, sim, num castelo. Mas o castelo pertencia a Loki, seu “tiozão” do mal, irmão juramentado de Odin. Com a mente saturada de séries, animes, mangás e agaquês das marveis, netflixes e disneys, as pessoas vão enlouquecendo lentamente. E sem olhar pro alto. Seguindo o exemplo dos remistas, o Brasil vai-se povoando de castelos e martelos de thors tupiniquins. E haja pipoca de milho transgênico.

 

A MENTIRA E O TURISMO – Uma leitora captou a ficção. Sendo abstração, a ficção não se confunde com a materialidade que nos cerca e proporciona tão somente uma percepção primitiva da realidade – o mundo sensível imediato. Captou também o tema central das crônicas que é a mentira. Seu comentário resume a relação estreita entre a mentira e o turismo: “Estácio”, ela escreveu, “grande conhecedor de azulejaria portuguesa, visitava a capela da fábrica da Vista Alegre. Ouviu do guia que os azulejos da capela foram feitos no séc.XVIII na fábrica do Rato. Imediatamente Estácio interrompeu o guia afirmando que os azulejos eram do séc.XVII, pintados por Gabriel del Barco. O guia ficou com cara de tacho.” Portanto, cuidado com os Estácios. Eles podem estar mais perto do que sonha a nossa vã sabedoria.

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: