MIGA, SUA LOUCA!

 

Vitor de Athayde Couto

O curso primário obrigava crianças a decorar o nome de todos os planetas. Tempo bom, eram só nove. Hoje, os planetas são tão incontáveis quanto as reformas do ensino. E os astrofísicos ainda se deram o luxo de rebaixar o injustiçado Plutão, só porque rima com anão. Todo dia descobrem mais um planeta desconhecido. Até brasileiro descobre planeta.

 

A overdose de tecnologias e observatórios garante assunto para os noticiários sem assunto. Só da nossa Lua posso listar um festival. E nem gosto de ficar bisbilhotando o mapa astral do universo. Estrelas e planetas não podem mais ter privacidade. Nem mesmo um mísero pedaço de rocha perdida tem sossego. A televisão repete: vai passar perto, vai passar longe, está se aproximando, vai colidir com a Terra, os americanos vão nos salvar, a Nasa já convocou o super homem, a liga da justiça… É nesse momento que os astrólogos de plantão espalham suas “tiurías” sobre a relação entre o universo e a vida miserável vida do cidadão terráqueo, carente de previsões do óbvio.

 

De volta ao mundo da lua, tem lua azul, lua vermelha, grande, pequena, perto, longe, eclipse total, parcial, lua boa pra sangrar tronco de árvore, pra pescar, cortar cabelo, marcar ciclo menstrual, parir, fazer luau, virar vampiro ou piorar cabeça de doido. E eu ainda me queixava, no primário, quando era obrigado a decorar apenas quatro fases da lua: cheia, minguante, nova e crescente. Pronto. E assim sobrava muito mais tempo pra brincar, enquanto faltava tempo pra terapias, aulas de reforço escolar, idas a psicopedagogos, constelações, runas, passes de benzedeiras, mapas astrais, tarôs, rezas contra espinhela caída, igrejas do copo com água fluidificada contra pandemias, igrejas do dízimo, das eleições e das bancadas BBBB.

 

Cresci. Quase um pouco mais ou menos velho, ainda reflito sobre a sociedade. Atravesso fins de semana sem fim, que começam sempre às quartas-feiras e terminam na madrugada de segunda. Quando tem feriado, úrbio e subúrbio emendam a semana toda, enquanto o emicí canta assim:

 

“Eu só quero te papar

 

Vai virar minha refém

 

Dou uma colocada forte

 

Volto só ano que vem.”

 

E Deus pergunta a Ele mesmo, de deus para deus:

 

– Meu Deus, onde foi que eu errei?

 

Diante da hesitação divina, vem o capiroto e responde:

 

– Foi tu. Foi Tu. Hum… mas tá ótimo! Tou gostando! Manda mais ô divindade!

 

E Deus:

 

– Miga, sua louca!

 

E o capiroto:

 

– Ô Deus!

 

– Sim?

 

– Tu tá te sentindo bem?

 

– Sim.

 

– Tem certeza?

 

– Sim!!! Isso é lá pergunta que se faça a um deus? Ou melhor, a Deus?

 

– Pois então me diga: o que é “miga, sua louca”?

 

Deus suspira profundamente, reflete um pouco e responde:

 

– Sei lá. Vi na internet. Nada haver com agente.

 

Aff… Já não se fazem mais deuses como antigamente. Eu sempre ouvi falar que Deus escreve certo por linhas tortas. Mas, com essa ortografia, começo a acreditar que Deus é mesmo brasileiro.