No dia 13.08.2013 foi publicado no ‘Globo.com” noticia com o seguinte título: “Irmãos conseguem na Justiça o direito de ter duas mães e um pai na certidão de nascimento no RS”.

No último dia 22 de Novembro o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, aprovou a edição do enunciado 9, do qual consta: “A multiparentalidade gera efeitos jurídicos”.

As Publicações na imprensa, as jurisprudências recentes e o enunciado do IBDFAM demonstram o quão inovador é o tema da multiparentalidade.

Os operadores do Direito em Parnaíba acompanham a evolução da ciência jurídica, e prova disso é que a Defensoria Pública, que tem atuado com grande destaque em nossa cidade, já patrocinou ação pleiteando o reconhecimento da multiparentalidade. O ex-aluno da UESPI, Leandro Moreira Fontenele, também escreveu sua monografia de conclusão do curso de Direito sobre este tema.

Segue abaixo artigo escrito para esta coluna pelo Dr. Leandro Moreira Fontenele, no qual ele faz um breve resumo de sua monografia, com reflexão acerca das possibilidades jurídicas da multiparentalidade, além das leis e dos códigos.

Multiparentalidade e suas Implicações Jurídicas: para além das leis e dos códigos

A complexidade observada nas relações sociais contemporâneas invadiu também a estrutura familiar. Assim, não mais se observa a família como figura estanque, constituindo-se, de fato, em arranjos familiares divergentes do “tradicional”, resultando, hodiernamente, em verdadeiros mosaicos familiares. Nessa conjuntura, verifica-se a existência de inúmeras estruturas familiares, caracterizadas por vínculos poliândricos, polígamos ou monogâmicos, ensejando no surgimento da pluriparentalidade, da multiparentalidade ou, ainda, da parentalidade múltipla, que pode ser definida como uma organização familiar, na qual uma mesma criança une-se a múltiplos pais e/ou múltiplas mães (CAVALCANTI, 2007; RODRIGUEZ & GOMES, 2012).

Com isso, diante do processo dinâmico que a sociedade vivencia, o Direito perderá o seu sentido, caso assuma a postura de uma ciência inerte, apegada a “leis ou códigos”, de modo que deve questionar o seu próprio papel, enquanto ciência, bem como fornecer subsídios para atender às questões contemporâneas, as quais lhes são apresentadas. Nesse âmbito, faz-se necessária uma reflexão acerca das possibilidades jurídicas da multiparentalidade, além de analisar as suas consequências no Direito de família.

Para esta discussão, é imprescindível delimitar-se o conceito de filiação, o qual se constitui como uma relação de parentesco estabelecida entre duas pessoas, sendo uma delas considerada como filha da outra (LÔBO, 2008). Diante do exposto, o termo parece ser de fácil conceituação. Todavia, no mundo jurídico, trata-se de uma expressão dinâmica, dado que os seus critérios variam de acordo com o período histórico vigente. Destarte, ao se pensar em uma perspectiva histórica dos critérios de filiação, durante muito tempo, esse conceito esteve restrito ao campo biológico. Não obstante, o “direito contemporâneo” passou a se respaldar, principalmente, na filiação de ordem socioafetiva, o que se tornou possível, dentre muitos aspectos, devido ao advento da Constituição Federal de 1988 (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2006).

Com a maior atenção dada às relações fundadas no afeto e em função dos rearranjos familiares, muitas crianças se veem ligadas não apenas aos pais biológicos, mas também a pais afetivos, os quais, em grande parte dos casos, são companheiros de seus genitores (RODRIGUES & TEIXEIRA, 2009). Nesse passo, surge a necessidade de oficializar esta paternidade socioafetiva, sem, no entanto, abrir mão da parentalidade biológica. É nesta direção que tem caminhado algumas decisões de tribunais brasileiros, ao conferir a mesma criança a possibilidade de ser registrada por mais de um pai ou mais de uma mãe. Essas decisões tem se fundamentado, sobretudo, nos princípios constitucionais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana e o da afetividade, possuindo, também, a jurisprudência, um papel preponderante nesses casos.

É importante ressaltar que o reconhecimento jurídico da multiparentalidade traz consigo algumas implicações no tocante ao nome da criança, à visita/guarda, à prestação de alimentos e à herança. Contudo, essas decorrências não se diferenciam dos casos em que há a biparentalidade (PÓVOAS, 2012). Nessa conjuntura, verifica-se que não existem empecilhos ao reconhecimento da multiparentalidade, uma vez que essa ação se baseia em princípios instaurados constitucionalmente, protegendo aos interesses de todos os envolvidos nesses casos, bem como demonstra, ainda, que a ciência jurídica só tem sentido se for capaz de adaptar-se ao movimento da vida, e não o aprisionar em seus próprios códigos e pressupostos.

Dessa forma, não se pode deixar de reavivar que o reconhecimento da multiparentalidade será, em breve, mais comum do que se aguarda, eis que, em determinados casos, apenas o reconhecimento plural da parentalidade é capaz de salvaguardar o interesse de todos os atores envolvidos nas questões relativas à filiação, conferindo, pois, efetividade aos princípios constitucionais a eles garantidos, tais como o da dignidade da pessoa humane e o da afetividade.

Leandro Moreira Fontenele, Advogado.