NÃO É LINDO?

Vitor de Athayde Couto

Guirindó resolve fazer checape numa clínica, com direito a todos os exames listados no repertório do SUS e protocolos da Anvisa. Meses de martírio. Cada resultado novo remete para mais um exame, mais outro e tantos outros.

Como todo martírio se faz acompanhar de uma via sacra, o clínico mandou Guirindó pro cardiologista que mandou pro endocrinologista que mandou pra nutricionista que mandou voltar ao clínico que mandou pro laboratorista que mandou voltar ao clínico com os resultados dos exames que mandou pro cirurgião que mandou pro anestesista que mandou pra sala de operação do hospital que mandou pro pós-operatório que mandou pra fisioterapeuta que mandou pra nutricionista do esporte que mandou pro endocrinologista que mandou pro psiquiatra que mandou pro psicólogo que mandou pro psicanalista que mandou pro homeopata que mandou pro jardineiro dos florais de Bach que mandou pro centro espírita… até o dia em que Guirindó foi parar na macumba, por recomendação de sua madrinha que vive na roça. O pai-de-santo receitou um banho de folhas, uma oferenda na mata, e, pronto, Guirindó ficou zerado.

Habituado a sair de moto, mas agora precisa caminhar bastante, por ordem dos orixás, Guirindó repara calmamente em sua volta. Descobre que em cada esquina do seu bairro há um hospital, clínica ou posto de saúde.

Pra comprar remédios ele já não precisa andar muito e ainda se dá o luxo de pesquisar preços em quatro farmácias nas quatro esquinas do primeiro cruzamento da sua rua. Não se sabe o porquê, mas essas farmácias-de-quatro-esquinas são conhecidas pelo grande público como lavanderias.

Guirindó também observa que em cada encruzilhada há sempre quatro igrejas-de-quatro-esquinas e começa a desconfiar que tudo isso é muito estranho e pergunta a Galerão, seu companheiro de caminhadas matinais:

– Galerão, será que há mesmo necessidade de tantos centros de saúde, farmácias e igrejas?

– Verdade. Tem muito, né? Alguma coisa está fora da ordem. Antigamente não era assim. Parece que hoje em dia as pessoas estão adoecendo demais, sofrendo demais, enlouquecendo demais…

Olhando com detalhes, Guirindó descobre que as igrejas parecem todas iguais, mas são muito diferentes. Lembrou até de uma tal concorrência monopolística que fora obrigado a estudar quando era calouro de uma dessas faculdades cujo nome ele esqueceu faz tempo. Segundo o manual da ortodoxia, quando o mercado é muito concorrencial, com milhares de agentes (empresas, em parnasianês ortodoxo), o que mais importa é a diferenciação do produto. Do contrário, não permanece no mercado. Cai fora, que nem as farmacinhas, mercadinhos, dentistinhas, e lojinhas de produtos de beleza. Foi assim que o velho comercinho-sem-nota-fiscal faliu… fechou… até que acabou sendo substituído por grandes redes nacionais e até internacionais de grandes farmácias, supermercados, clínicas e lojas de materiais de construção.

Com os hospitais não foi diferente. As grandes redes de ouro, prata e diamante foram absorvendo os pequenos hospitais, clínicas e laboratórios.

Em inglês, tudo isso tem um nome bem bacana: mergering. Não é lindo?

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Ouça o texto com a narração do próprio autor: