SEMANÁRIO JURÍDICO – EDIÇÃO DE 09.10.2020

JOSINO RIBEIRO NETO.

 

PRINCÍPIOS JURÍDICOS – IMPORTÂNCIA NO DIREITO.

 

Como já foi enfatizado em  outros momentos os princípios jurídicos se assemelham aos alicerces da  construção de um prédio, isto é, na construção de uma obra constituem a base de sustentação, no campo do Direito, como ciência, significam o rumo, a alavanca de criatividade das normas extraídas do trabalho mental do legislador.  

 

Na presente edição serão abordados aspectos acerca do PRINCÍPIO DE AFETIVIDADE, que fundamenta o Direito de Família, em especial, atinente  na estabilidade das relações socioafetivas, de natureza cultural ou socióloga, com primazia sobre a origem biológica, principalmente na filiação. Recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição de 1988 e resultou da evolução da família brasileira, nas últimas décadas do século XX, refletindo-se na doutrina jurídica e na jurisprudência dos tribunais.

 

Em matéria de filiação, o direito sempre se valeu de presunções, pela natural dificuldade em se atribuir a paternidade ou maternidade a alguém, ou então de óbices fundados em preconceitos históricos decorrentes da hegemonia da família patriarcal e matrimonializada.

 

O modelo tradicional e o modelo científico partem de um equívoco de base: a família atual já não é, exclusivamente, a biológica. A origem biológica era indispensável à família patriarcal, para cumprir suas funções tradicionais. Contudo, o modelo patriarcal desapareceu nas relações sociais brasileiras, após a urbanização crescente e a emancipação feminina, na segunda metade do Século XX. No âmbito jurídico, encerrou definitivamente seu ciclo após o advento da Constituição de 1988.

 

O princípio da afetividade tem fundamento constitucional; não é fato exclusivamente sociológico ou psicológico. No que respeita aos filhos, a evolução dos valores da civilização ocidental levou à progressiva superação dos fatores de discriminação, entre eles, Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade.

 

Encontram-se na Constituição Federal brasileira fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família, máxime durante as últimas décadas do Século XX:

 

  1. a)todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º );
  2. b)a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);
  3. c)a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucional protegida (art. 226, § 4º );
  4. d)a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227).

 

As pessoas que se unem em comunhão de afeto, não podendo ou não querendo ter filhos, é família protegida pela Constituição.

 

O princípio da afetividade também enraíza-se em fundamentos constitucionais mais gerais, como realização do princípio da solidariedade (art. 3º , I) e do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º , III).

 

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ADOÇÃO AVOENGA.

 

A adoção pelos avós e irmãos do adotando é vedada pela regra do art. 42, § 1º, do ECA, até porque a relação de parentesco com ambas as situações, já define direitos da criança e do adolescente.

 

A vedação legal, recebeu do doutrinador Artur Marques da Silva Filho, na sua obra “ADOÇÃO”,  p. 81, o seguinte comentário doutrinário:

 

“Os ascendentes  e os irmãos consanguíneos da criança ou adolescente sujeita à adoção não podem fazê-lo . Entende-se que seria uma ruptura indevida da linha reta ascendente , na verdade, desnecessária, em face dos fortes laços de sangue e de afeto. Seria o caso de os avós adotarem o próprio neto em caso de exclusão do poder familiar de seus pais. Não há motivo a tanto. São avós, cujos vínculos são tão intensos quanto os pais; à falta destes recebem a tutela do neto e podem continuar ser uma família normalmente. O mesmo se diga do irmão mais velho pretender adotar o mais novo. Inexiste, pois há fortes vínculos consanguíneos. Se for preciso, exercerá a tutela do mais novo. “A proibição legal nada  mais faz do que manter a ordem parental derivada da própria natureza. Sendo os descendentes parentes biológicos, não convém desvirtuar a ascendência, por via da adoção”.  

 

Mas a norma do ECA referenciado, não obstante sua clareza, vem sendo  mitigada pela jurisprudência, em especial, do Superior Tribunal de Justiça, por entender que em situações especiais, com o respaldo do art. 5º da LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO, o juiz deverá atender aos fins sociais a que ela (a regra da lei) se dirige, princípio repetido no art. 6º do ECA, além do que consta do art. 227 da CF, que consagrou a doutrina da proteção integral e prioritária das crianças e dos adolescentes.

 

Segue decisão recente do STJ, onde além da EMENTA, a coluna transcreve o conteúdo do voto do REsp. 1.587.477-SC, Quarta Turma, DJe 27.08.2020:

 

“Adoção de menor pleiteada pela avó. Vedação prevista no § 1º do artigo 42 do ECA. Mitigação. Possibilidade”.

 

É possível a mitigação da norma geral impeditiva contida no 1§ do art. 42 do ECA, de modo a se autorizar a adoção avoenga em situações excepcionais”.

 

Seguem as informações do inteiro teor da jurisprudência supra referenciada.

 

“A controvérsia principal dos autos reside em definir se é possível a adoção avoenga à luz do quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias, malgrado o disposto no § 1º do artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.Como é de sabença, o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (DecretoLei n. 4.657/42) preceitua que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

 

Tal comando foi parcialmente reproduzido no artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).Sob tal perspectiva, sobressai a norma inserta no art. 227 da Constituição da República de 1988, que consagrou a doutrina da proteção integral e prioritária das crianças e dos adolescentes.

 

O princípio da proteção integral, segundo abalizada doutrina, significa que “as pessoas em desenvolvimento, isto é, crianças e adolescentes, devem receber total amparo e proteção das normas jurídicas, da doutrina, jurisprudência, enfim de todo o sistema jurídico”.

 

Em cumprimento ao comando constitucional, sobreveio a Lei 8.069/90, que adotou a doutrina da proteção integral e prioritária como vetor hermenêutico para aplicação de suas normas jurídicas, a qual, sabidamente, guarda relação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

 

No caso vertente, cumpre, de início, observar que o § 1º do artigo 42 do ECA estabeleceu, como regra, a impossibilidade da adoção dos netos pelos avós (a chamada adoção avoenga).Sem descurar do relevante escopo social da norma proibitiva da adoção de descendente por ascendente, constata-se a existência de precedentes da Terceira Turma que mitigam sua incidência em hipóteses excepcionais envolvendo crianças e adolescentes, e desde que verificado, concretamente, que o deferimento da adoção consubstancia a medida que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor, sobressaindo reais vantagens para o adotando.

 

Com efeito, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.448.969/SC, a Terceira Turma, com base nos princípios da dignidade humana e do melhor interesse do menor, considerou legal a adoção de neto por avós que, desde o nascimento, exerciam a parentalidade socioafetiva e haviam adotado a mãe biológica aos oitos anos de idade e grávida do adotando.

 

Em 27/02/2018, tal exegese foi confirmada pelos integrantes da Terceira Turma, em caso similar. Ademais, vislumbra-se que a unanimidade dos integrantes da Terceira Turma não controvertem sobre a possibilidade de mitigação da norma geral impeditiva contida no § 1º do artigo 42 do ECA – de modo a se autorizar a adoção avoenga – em situações excepcionais em que:

 

o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu  nascimento; (iii)

 

a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial;

 

(iv) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão;

 

(v) inexista conflito familiar a respeito da adoção;

 

 (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando;

 

(vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e

 

(viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando.

 

Tal exegese deve ser encampada por esta Quarta Turma, por se mostrar consentânea com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, fim social objetivado pela Constituição da República de 1988 e pela Lei n. 8.069/90, conferindo-se, assim, a devida e integral proteção aos direitos e interesses das pessoas em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade e fragilidade justificam o tratamento especial destinado a colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência ou opressão”. (Informativo n. 678)

 

PROCESSO REsp 1.587.477-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 27/08/2020 RAMO DO DIREITO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE TEMA Adoção de menor pleiteada pela avó. Vedação prevista no § 1º do artigo 42 do ECA. Mitigação. Possibilidade.

 

DESTAQUE É possível a mitigação da norma geral impeditiva contida no § 1º do artigo 42 do ECA, de modo a se autorizar a adoção avoenga em situações excepcionais.

 

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

 

A controvérsia principal dos autos reside em definir se é possível a adoção avoenga à luz do quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias, malgrado o disposto no § 1º do artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.Como é de sabença, o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (DecretoLei n. 4.657/42) preceitua que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

 

Tal comando foi parcialmente reproduzido no artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).Sob tal perspectiva, sobressai a norma inserta no art. 227 da Constituição da República de 1988, que consagrou a doutrina da proteção integral e prioritária das crianças e dos adolescentes.

 

O princípio da proteção integral, segundo abalizada doutrina, significa que “as pessoas em desenvolvimento, isto é, crianças e adolescentes, devem receber total amparo e proteção das normas jurídicas, da doutrina, jurisprudência, enfim de todo o sistema jurídico”.

 

Em cumprimento ao comando constitucional, sobreveio a Lei 8.069/90, que adotou a doutrina da proteção integral e prioritária como vetor hermenêutico para aplicação de suas normas jurídicas, a qual, sabidamente, guarda relação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

 

No caso vertente, cumpre, de início, observar que o § 1º do artigo 42 do ECA estabeleceu, como regra, a impossibilidade da adoção dos netos pelos avós (a chamada adoção avoenga).Sem descurar do relevante escopo social da norma proibitiva da adoção de descendente por ascendente, constata-se a existência de precedentes da Terceira Turma que mitigam sua incidência em hipóteses excepcionais envolvendo crianças e adolescentes, e desde que verificado, concretamente, que o deferimento da adoção consubstancia a medida que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor, sobressaindo reais vantagens para o adotando.

 

Com efeito, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.448.969/SC, a Terceira Turma, com base nos princípios da dignidade humana e do melhor interesse do menor, considerou legal a adoção de neto por avós que, desde o nascimento, exerciam a parentalidade socioafetiva e haviam adotado a mãe biológica aos oitos anos de idade e grávida do adotando.

 

Em 27/02/2018, tal exegese foi confirmada pelos integrantes da Terceira Turma, em caso similar. Ademais, vislumbra-se que a unanimidade dos integrantes da Terceira Turma não controvertem sobre a possibilidade de mitigação da norma geral impeditiva contida no § 1º do artigo 42 do ECA – de modo a se autorizar a adoção avoenga – em situações excepcionais em que:

 

o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu 134 nascimento; (iii)

 

a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial;

 

(iv) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão;

(v) inexista conflito familiar a respeito da adoção;

(vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando;

(vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e

(viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando.

 

Tal exegese deve ser encampada por esta Quarta Turma, por se mostrar consentânea com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, fim social objetivado pela Constituição da República de 1988 e pela Lei n. 8.069/90, conferindo-se, assim, a devida e integral proteção aos direitos e interesses das pessoas em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade e fragilidade justificam o tratamento especial destinado a colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência ou opressão. (Informativo n. 678)