No ar em ‘A regra do jogo’, Cássia Kis defende o direito de exibir rugas e cabelos brancos no vídeo
O banheiro de Cássia Kis tem espelho por todos os cantos. Com ajuda daqueles que aumentam o reflexo, ela tira os excessos da sobrancelha e do buço. E faz uma maquiagem “de quem já não enxerga tanto” quando precisa. Mas não costuma perder muito tempo mirando a própria imagem. Reconhecida por compor seus personagens de forma minuciosa, a atriz de 57 anos chama a atenção por ir contra o padrão de beleza dominante num meio em que seus pares lançam mão de mil e um truques na tentativa de retardar o envelhecimento. No ar no horário nobre da Globo com “A regra do jogo”, Cássia se mostra como é:
— Uai, olha para mim, ou me vê na TV! Olha a quantidade de rugas que eu tenho. São umas 500 mil. Eu imagino que essa legião de cirurgiões plásticos e dermatologistas deve ficar desesperada para me telefonar e me fazer propostas das mais absurdas. Estou sempre atrás de uma dermatologista nova que não me faça proposta alguma ou de uma que olhe para mim e me diga: “parabéns”.
Na novela de João Emanuel Carneiro, Cássia é Djanira, mulher que criou Tóia (Vanessa Giácomo) e Juliano (Cauã Reymond) como se fossem seus filhos, e precisa acertar as contas com o homem que realmente gerou, Romero Rômulo (Alexandre Nero). Em cena, a atriz pratica o que prega. Para ela, um bom ator precisa jogar a vaidade no lixo.
— Temos ali uma mulher absolutamente escancarada, não tem melhor ângulo, nem maquiagem. Não estou protegida por nada — diz a atriz.
O autor de “A regra do jogo” se diz “fascinado” por ver na tela o resultado do que criou. Para ele, Cássia é “uma potência”:
— Acho que a Djanira é ela mesma. Visceral.
Da nova geração, Vanessa Giácomo, 32 anos, defende que a colega “é sempre muito inteira em tudo o que faz”.
Quem viu Cássia sofisticada, sedutora e em cenas de sexo com um garotão em “O rebu”, no ano passado, custa a crer que a mesma atriz agora interpreta (e convence) como mãe de Nero, apenas 12 anos mais jovem do que ela:
— Não é improvável imaginar que sou mãe dele. Eu me olho e penso que tenho 400 anos — exagera ela.
Nero, que já teve embates em cena com Cássia nas duas primeiras semanas da novela, diz ser difícil destacar as principais características da colega:
— Não sabemos ao certo onde começam e onde terminam a atriz e as personagens com que ela nos presenteia. Não sei se seria possível outra atriz ou ator do porte dela. Há vezes em que acho que ela transcendeu isso e que só um poema poderia fazê-lo.
Para José Luiz Villamarim, que dirigiu Cássia na minissérie “Amores roubados”, em “O rebu” e no filme “Redomoinho”, com estreia prevista para o ano que vem, ela é “o que se espera de um ator”.
— Cássia está sempre à disposição dos personagens, não fez interferências no rosto. Para mim, é um grande exemplo — diz.
Além das rugas, os cabelos brancos ajudam a compor Djanira. No fim do ano passado, Cássia tosou a cabeça após gravar a série “Felizes para sempre?”, dirigida por Fernando Meirelles e exibida em janeiro, e de rodar o filme de Villamarim.
— Meus fios estavam estragados. Hoje, muita gente fala: “Nossa, Cássia, pinta esse cabelo, você fica mais jovem”. Mas muitas mulheres dizem: “Que coisa linda”. O meu cabeleireiro é o Mauro Freire, que não vejo há muito tempo. Quando apareço, ele morre de emoção. É um artista que olha e fala: “Que lindo seu cabelo”.
Ela admite que até gostaria de ter “um corte bonito ou deixar crescer o cabelo”. Mas esse desejo logo esbarra no tempo.
— Gosto mais de cuidar da casa e da família, de cozinhar, ir ao supermercado, ver um filme ou ler um livro. O cabelo não pode ocupar mais tempo do que precisa. Se pintasse, teria que refazer de 11 em 11 dias. É uma escravidão, custa caro, e preciso ir para outro mundo.
Cássia prefere não gastar nada além do necessário. Ela deixa recados do tipo “a água é nosso maior bem, preserve” escritos pela casa. Em cima da pia da cozinha, há um papel com a frase “sujou, lavou”. Diz que é ótima educadora:
— Vigio a duração do banho dos meus filhos. O meu está durando no máximo três minutos, se tanto. Dá vontade de ficar embaixo daquele chuveiro abundante… Mas não dá.
A piscina da casa foi transformada em pista de skate para os filhos mais novos. A banheira ainda está lá, mas não é usada. Cássia pensa em plantar uma horta ali.
ABORTO E PERDÃO
Mãe de Joaquim Maria, de 20 anos, Maria Cândida, 18, Sérgio Gabriel, 13, e Pedro Miguel, 11, Cássia pratica meditação, ioga, pilates e é vegetariana há anos. Sua filha deixou de comer carne depois de ver um documentário sobre o assunto.
— Maria tem 18 anos, você acha que eu não gostaria que ela me ouvisse? Eu sou a voz da sabedoria (risos). E ela me diz isso. Mas faz questão de não me ouvir e tenho que engolir essa (mais risos).
Capricorniana do dia 6 de janeiro, a atriz define um pouco a relação em família através dos signos de cada um.
— Tenho dois filhos aquarianos, que exigem muito de mim, muito. O meu signo dá defeito com aquarianos. Maria é três vezes Aquário. Miguel é taurino, o meu nirvana. E Joaquim, canceriano, é o meu oposto, o que é uma maravilha.
Mas Cássia jura que não é xiita e diz que deixa os filhos à vontade para fazer suas escolhas. Dia desses, levou os menores numa hamburgueria. Ficou de espectadora:
— Pesquisei o lugar para que, pelo menos, eles pudessem comer uma carne de qualidade.
A atriz teve o primeiro filho aos 38 anos, e o mais novo nasceu quando ela estava com 48. Nenhum foi planejado, revela. Mas diz que cada um significou “muita evolução e crescimento”.
— Tenho uma marca muito profunda na vida, que é o fato de ter feito um aborto aos 30 anos. Eu já me perdoei, mas às vezes fico contando a idade desse filho que eu teria tido. Eu tinha uma imaturidade, uma inconsistência, uma falta de atenção com o que era a vida — reconhece, lembrando que hoje é radicalmente contra o aborto.
NO CHÃO, EM POSIÇÃO DE LÓTUS
Cássia já foi Kiss com dois esses, já adotou o sobrenome Magro (para homenagear o marido, o psicanalista João Baptista Magro Filho, em 2009), e depois tirou um s de Kis, que é como o restante da família sempre assinou. Hoje, é apenas Cássia Kis.
Em mais de 30 anos de carreira, viveu tipos marcantes e variados na TV como a Lulu de “Roque Santeiro” (1985), a Leila de “Vale tudo” (que matou a lendária vilã Odete Roitman, em 1988), a Maria Marruá de “Pantanal” (1990), e a Ilka Tibiriçá de “Fera ferida” (1993). Em “Morde & assopra”, de 2011, viveu a coadjuvante Dulce. Para encarnar a faxineira que lutava tentando endireitar o filho com valores deturpados, e que ganhou status de protagonista ao longo da trama, ela usou uma horrenda prótese dentária.
— O verbo representar já não me interessa. Eu quero viver. Saio completamente transformada dos trabalhos.
Hoje, a maior vaidade da atriz é manter a coluna ereta. Ao dizer isso, no meio da entrevista, ela senta-se no chão, em posição de lótus, e fica assim até o fim.
— O corpo definha. Já passei da metade da minha vida. Mesmo se eu cuidar de tudo, vou virar pelanca. Se tudo der certo, não fico no hospital mofando por muito tempo. Vou ser enterrada quando morrer e virar comida para os bichos. Isso, se tudo der certo.
Fonte: O Globo