Governadores do Nordeste se rebelaram contra o pacote de medidas de austeridade que o Ministério da Fazenda apresentou na semana passada como contrapartida para que os estados fiquem com R$ 5 bilhões referentes à parcela de multas pagas no programa de repatriação de recursos mantidos no exterior. Os representantes da região afirmam que as medidas apresentadas pelo ministro Henrique Meirelles (Fazenda) na terça-feira, dia 22, não tinham sido apresentadas a eles.
Os governadores reclamam porque dizem ter feito o “dever de casa” com medidas de cortes de despesas. “A gente tinha feito a reunião (com o governo) para acertar compromissos gerais com o ajuste fiscal, apoio às reformas como a da Previdência e, na hora da (entrevista) coletiva (para jornalistas), Meirelles veio com um detalhamento de questões que nunca vão ser unificadas entre os 27 estados. É impossível”, disse o governador Paulo Câmara (PSB-PE), que se apresentou como porta-voz dos colegas dos outros oito estados nordestinos.
A lista de exigências do governo central inclui uma série de medidas impopulares para serem encabeçadas por governadores, a menos de dois anos das eleições. “Vamos fazer os nossos ajustes, continuar a defender medidas de austeridade no âmbito federal, mas não dá para ter esse tipo de negociação, colocando condicionantes que dificilmente terão uma uniformidade entre os estados. E muito menos colocar uma questão que está judicializada como moeda de troca”, disse Câmara.
Praticamente todos os estados acionaram o STF (Supremo Tribunal Federal) exigindo que a União compartilhasse com eles parte das multas geradas pela repatriação dos recursos. A ministra do STF Rosa Weber bloqueou liminarmente o dinheiro arrecadado, mas a decisão final ainda será tomada pelo plenário.
O governo federal havia exigido que os estados retirassem as ações para liberar os recursos. Mas agora, depois das contrapartidas apresentadas pela Fazenda, os governadores dizem que não recuarão e vão pessoalmente ao STF amanhã.
Em outra frente, Paulo Câmara conversou por telefone com o presidente Michel Temer no fim de semana. “Expliquei que estava muito difícil encontrar um consenso de uniformidade entre os nove estados do Nordeste. Entre os 27 é mais difícil ainda. O presidente disse que ia colocar essa questão a Meirelles para achar uma saída.”
Dos nove governadores nordestinos, sete reuniram-se no Recife na sexta-feira, dia 25, para discutir as exigências federais. Somente Bahia e Sergipe não enviaram representantes. No encontro, foi redigida uma carta aberta ao governo federal em nome de todos os nove estados.
Esses governadores consideram que seus estados saíram de um déficit primário de R$ 9,5 bilhões, em 2014, para um resultado positivo de R$ 6,5 bilhões no fim de 2015. Nesse período, as despesas primárias aumentaram 2,4%, e a receita bruta, 5,4%.
As receitas de arrecadação própria aumentaram 7%, enquanto as receitas provenientes das transferências da União aos estados cresceram 1% nominal no período. Ou seja: os estados dizem que fizeram sua parte.
Contrapartidas pela repatriação
O que o governo Temer quer dos estados para repassar dinheiro da multa:
Medidas legais que definam o teto de gastos nos estados
Congelamento de salário dos servidores por dois anos
Não criar mais cargos comissionados
Corte de pelo menos 20% das despesas com funcionários comissionados
Apresentação de emenda à reforma da Previdência para que as regras federais vigorem nos Estados
Retirada de ações no STF pedindo o compartilhamento de multas que serão aplicadas com repatriação de recurso do exterior
Medidas surgiram dos próprios estados, diz ministro da Fazenda
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que os próprios governadores sugeriram medidas para garantir o equilíbrio fiscal das unidades da Federação. “Na reunião entre estados e governo federal na última terça-feira, dia 22, foi apresentada por governadores a proposta de um programa de austeridade visando assegurar o equilíbrio fiscal dos Estados, a exemplo do que está fazendo a União”, afirmou o ministro em nota. “Este ajuste é condição essencial para a retomada do crescimento econômico”, completou.
Segundo Meirelles, baseada nesse conjunto de ideias, a Fazenda começou a trabalhar no detalhamento das propostas que, de acordo com o ministro, foram discutidas com os secretários estaduais de Fazenda. “Dentro desse escopo, estamos negociando a repartição com os Estados da multa no processo de regularização de capitais. Na lei vigente, o resultado desta multa é exclusivo da União, não havendo, portanto, direito dos estados”, disse o ministro da Fazenda, reafirmando que a liberação dos recursos é parte do acordo de austeridade.
As declarações do ministro da Fazenda vieram depois de governadores do Nordeste terem afirmado que não haviam sido informados sobre as medidas do pacote de austeridade apresentado por Meirelles no dia 22. Os representantes da região reclamam das medidas porque dizem terem feito o “dever de casa” com cortes de despesas.
Meirelles afirmou que as medidas já tomadas pelos estados serão levadas em conta e integrarão o ajuste. “Pensamos que esse programa de austeridade da União e dos estados será a base para a volta do crescimento econômico, do emprego e da renda”, disse o ministro.
Governadores pressionam por votação que deve liberar mais recurso
Em busca de recursos, os governadores pressionam seus senadores a votarem, nesta semana, a securitização das dívidas dos estados, que hoje giram em torno de R$ 600 bilhões. A proposta é uma forma de levantar recursos para cobrir o déficit bilionário dos estados – que vem se agravando com a queda de arrecadação provocada pela recessão.
O projeto prevê que as dívidas sejam transferidas para uma empresa securitizadora, que converterá os valores em títulos a serem negociados no mercado. O texto, que está no Senado, obriga os estados a destinarem 70% dos recursos obtidos com a venda dos papéis de dívida para o pagamento de despesas com os fundos de previdência de servidores. O resto (30%) ficaria livre para novos investimentos.
Os governadores querem que a União compre a maior parte desses papéis, já que a venda dos ativos no mercado poderia demorar. Mas, para isso, seria preciso que o governo federal também fizesse uma manobra para tentar contornar sua própria restrição de recursos. O arranjo em estudo seria uma operação financeira em que a União emitiria títulos públicos cujo lastro seriam os títulos de dívida dos Estados.
O Ministério da Fazenda vê essa saída com ressalvas. A preocupação é a baixa qualidade da dívida dos estados – muitas dificilmente serão pagas pelos devedores, alguns falidos.
O senador Paulo Bauer (PSDB-SC), relator da proposta no Senado, afirma ter chegado a um acordo com o governo. Apesar de várias discussões na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), ainda há senadores que divergem da proposta.
Para o líder do DEM na Casa, Ronaldo Caiado (GO), o projeto pode resolver o problema dos governadores atuais, mas inviabiliza os próximos. “Governadores em fim de mandato farão um deságio. O projeto estará inviabilizando as gestões futuras. São parcelas de 20, 30 anos. Como securitiza isso?”
Apesar das divergências, a pressão dos governadores deve levar à aprovação. Bauer disse que apresentará seu relatório final amanhã. Após a votação no Senado, caso o texto seja mantido sem mudanças, o projeto segue para a Câmara. Após a sanção da Presidência da República, contudo, ainda será necessária uma regulamentação das regras de securitização -algo que também precisa passar pelo Congresso. O projeto também depende de parecer favorável do TCU (Tribunal de Contas da União).
Fonte: Jornal do Comércio