O BOM EXEMPLO QUE VEM DA BAHIA

 

Vitor de Athayde Couto

 

Muitas cidades brasileiras têm belíssimas avenidas com nomes não tão belos assim. Muitas delas homenageiam ditadores, de Getúlio Vargas a Castelo Branco. Homenageiam também políticos locais ou seus parentes, cujos nomes são escolhidos por outros políticos da vez.

 

Em Salvador, o belíssimo bairro de Ondina abriga o maior campus (são vários) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O acesso às faculdades, editora, biblioteca central, restaurante universitário, administração, prefeitura, agências bancárias, laboratórios, e a uma imponente reserva de Mata Atlântica, é feito pela principal avenida de Ondina, conhecida como Avenida Adhemar de Barros. Se alguém me perguntar qual foi a razão dessa homenagem, eu não sei explicar. Não me consta nenhum grande feito de iniciativa desse senhor, muito menos na área da educação. No seu currículo consta que foi um político paulista e interventor federal (1938-1941) nomeado por Getúlio Vargas, o ditador da vez.

 

Além da UFBA, a avenida conta com a Praça das Gordinhas, é palco do carnaval no circuito Barra-Ondina, e de manifestações políticas do movimento feminista. De quebra, desemboca no azul do mar da Bahia, bem pertinho da praia do Rio Vermelho, onde se entregam os presentes a Iemanjá.

 

Depois de intensa mobilização e abaixo-assinado, os baianos conseguiram, junto à municipalidade, alterar o nome da avenida que, desde o dia 21, passou a se chamar Avenida Milton Santos – geógrafo, professor, negro e baiano.

 

Fiz questão de mencionar “negro e baiano” porque a elite branca do atraso, andando na contramão da História, tem mania de homenagear escravocratas – a escravidão é considerada crime contra a humanidade.

 

Felizmente nem todos os políticos são iguais. Os vereadores de Olinda (PE) aprovaram por unanimidade a primeira lei do Brasil que proíbe homenagem em monumentos e vias públicas a escravocratas e pessoas ligadas à ditadura militar (leia a notícia aqui).

 

Quem foi Milton Santos? Doutor honoris causa pela UFBA, esse brilhante intelectual foi agraciado com o maior prêmio internacional de Geografia – equivalente ao Nobel.

 

Recém-formado em Economia, tive a sorte de trabalhar sob a orientação dos pioneiros Milton Santos, Jairo Simões e Rômulo Almeida, naquela que foi a primeira instituição de planejamento do Brasil – a Comissão de Planejamento Econômico (CPE). E, depois, na UFBA.

 

Anos mais tarde, em plena ditadura militar, reencontrei Milton Santos e outro grande geógrafo, Manuel Correia de Andrade, na Universidade de Toulouse. Exilados na França, foram acolhidos por Bernard Kayser que, por coincidência, era meu orientador de tese de doutorado. Mais uma vez a sorte me acompanhou quando Kayser designou Andrade, já anistiado, como meu coorientador de pesquisa no Brasil. Até hoje guardo suas cartas. Guardo também as anotações que fiz na sua biblioteca, onde ele generosamente me recebia, no bairro da Graça, Recife. Autor do clássico “A terra e o homem no Nordeste” construiu, com Lacerda de Melo, a melhor regionalização, válida até hoje: Litoral (Mata), Agreste e Sertão. Vale registrar que ele mesmo servia um surpreendente suco de jambo, que eu desconhecia e descobri em sua casa.

 

Descobri também que grandes intelectuais, quanto mais preparados, mais são gentis, em contraste com a arrogância de certos “doutores”.

 

A propósito de planejamento econômico – mais especificamente Política Econômica – o leitor interessado pode assistir aqui à minha recente palestra-live no curso “Estudos Sobre a Contemporaneidade”, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC).

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: