Plágio é cópia conforme está dito nos seguintes versos:

 

no rude

reino da hipocrisia

onde nada se cria

e tudo se copia

– não reina a poesia.

 

Do grego “plágios”, pelo latim “plagium”, significando em princípio o que rouba os escravos alheios ou o que compra e vende como escravo uma pessoa livre – plágio é a imitação servil, consistindo em fazer um autor passar por sua, obra que, na realidade, é de outro. O plagiador esmiúça sempre um estilo alheio, desmonta-o, penetra em seus segredos e peculiaridades, esforçando-se para assimilar (para em seguida utilizar) todas as sutilezas de técnica de estilo empregadas pelo escritor-modelo.

O plagiato é crime, porque não passa de uma tradução nada judiciosa com que alguém procura impor-se na vida literária às custas do talento alheio. O plagiador constrói sempre obras banais, vulgares, imprestáveis.

Todo autor tem o direito de ter a obra como sua, sem modificação ou deturpação. Trata-se de direito perpétuo e inalienável, vinculado à própria personalidade do autor e amparado pela lei civil e pela lei penal. E tal proteção legal não abrange apenas o estilo em si. A criação literária decorre de dois elementos: a ideia e a palavra, razão pela qual a lei não permite que alguém se aproveite das ideias ou do estilo do autor. Ensina Carvalho Santos, em CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO INTERPRETADO, vol. VIII, que “para os efeitos legais, o atentado representa a mesma gravidade, numa ou noutra hipótese, porque o todo em si, e cada parte desse corpo, merece por igual a proteção da lei. Assim como não permite a lei que se mate alguém e que também se faça ferimento em qualquer parte do corpo do homem,, assim também não permite a lei que se copie servilmente a obra alheia ou dela se aproprie alguém da ideia, da concepção, da sua alma, na qual muitas vezes está o seu encanto, o seu valor.”

Abordando o assunto sob prisma jurídico-penal, Nélson Hungria, em COMENTÁRIOS AO CÓDIGO PENAL, vol. VII, diz “que só é criminoso o plágio quando alguém usurpa, pelo menos, trechos importantes da obra alheia ou essenciais de sua estrutura psicológica”, como ocorre nos versos do poema “Democracia no Brasil”, do poeta piauiense Chico Castro:

          “fraqueza geral

falta de apetite

vômitos

tosse, tosse, tosse.

Infecção intestinal

genital

piócitos na urina

nematoide

cestoide:

tosse, tosse, tosse.

crânio explodido.

fazer um exame de consciência e vergonha.”

É fácil perceber que tudo não passa de decalque grosseiro do célebre poema “Pneumotórax”, de Manuel Bandeira:

 

“Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

 

Mandou chamar o médico:

(…)

– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo

e o pulmão direito infiltrado.

– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”

 

O plágio é evidente: os quatro primeiros versos de Chico Castro representam uma enumeração de quatro deficiências orgânicas, com pequenas alterações terminológicas do primeiro verso de Bandeira. Do verso deste – “tosse, tosse, tosse” – apropriou-se na íntegra o poeta piauiense, que, no desenvolvimento de sua (?) composição, faz como que um diagnóstico médico (“infecção intestinal/genital/piócitos na uruna/nematoide/cestoide”), fundamentado nos elementos sintomáticos do início do poema, – lembrando o diagnóstco do médico no poema de Manuel Bandeira: “O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.” “Pneumotórax” termina com a sugestão de que “a única coisa a fazer é tocar um tango argentino”, enquanto em “Democracia no Brasil” ocorre, igualmente, uma recomendação no sentido de “fazer um exame de consciência e vergonha”.

Na seleção de poesias – “Árias Sonorosas” – , Oliveira Neto, em nota alusiva ao soneto “O Parnaíba”, queixa-se de que o referido poema foi plagiado e publicado na revista “Mafrense”, de 25.09.1969, lembrando ainda que o jornal teresinense “O Dia”, de 28 do mesmo mês, fez amplo comentário sobre o plágio. Ter sido vítima de plágio marcou tanto o autor de “Ícaro”, que acabou escrevendo o seguinte soneto:

 

“O plágio é um crime degradante.

Avilta e deprime o delinquente.

Não é um simples furto de assaltante,

De um ladrão de algibeira, ou de um doente.

 

Alguém o vê por prisma fascinante

(Embora isso não seja mui fluente).

É ato de escritor, de gente amante

Das letras, da poesia rica e candente.

 

Fui vítima de um plágio, e não gostei.

Tive n’alma um desgosto tão profundo,

Que até cismando por aí andei…

 

Não serei dos poetas consagrados.

Mesmo assim, mesmo morto, no outro mundo,

Não quero ter meus versos plagiados.”

 

Não se deve confundir plágio com as formas lícitas de re-criação poética, como a paródia, a paráfrase, a alusão, a tradução, o centão, a imitação.

Por Alcenor Candeira FIlho