Em Roma, na antiguidade, a família era comandada pelo homem mais velho, o qual, enquanto vida tivesse, exercia autoridade sobre os descendentes em qualquer circunstância.

Naquela época, o casamento já era organizado, mas as mulheres casadas não tinham autonomia e sujeitavam-se ao marido e ao ascendente mais velho (pater famílias). Nem mesmo com relação aos filhos elas tinham autoridade!

Rui Barbosa ensina que, em Roma, o Marido era o “sacerdote, o senhor e o magistrado”, isto porque julgava os próprios membros da família, submetendo-os às suas decisões e impondo-lhe os seus destinos. Enfim, a mulher não tinha direitos sequer sobre a sua própria vida.

No casamento per usum ou usus , por exemplo, a aquisição da mulher dava-se pela posse, equivalendo a uma espécie de usucapião. Nessa modalidade, exigia-se a coabitação por um ano como experiência, e caso houvesse a separação por três noites consecutivas a mulher continuava solteira.

Esse modelo de família exerceu muita influência ao longo da história, e ainda hoje exerce, até porque o direito romano é a base do direito ocidental. Herdamos muito dessa época, inclusive, as tradições do noivado, o anel do noivado, véu da noiva, o atraso da noiva à cerimônia do casamento, a união das mãos direitas dos nubentes, o rito da celebração etc.

Mais do que isso, herdamos também o machismo. O Código Civil de 1916, que deixou de vigorar somente em 2003, por quase um século, estabeleceu que o marido era o chefe da sociedade conjugal (art. 233) e a ele competia a representação legal da família, a administração dos bens, o direito de fixar o domicílio do casal e de prover a manutenção da família.

Mesmo com o princípio da igualdade de tratamento preconizado na Constituição de 1988 e com o advento do Código Civil de 2002, ainda hoje temos resquícios desse machismo, tanto que a cada 15 minutos uma mulher é vítima de agressão no Brasil e, segundo dados daFundação Perseu Abramo, divulgados no portal da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, 11% das brasileiras com 15 anos ou mais de idade já foram vítimas de espancamento, e o marido ou companheiro é responsável por 56% desses casos de violência.

Com o objetivo de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, promulgou-se a Lei 11340 de 2006, conhecida por Lei Maria da Penha. Foi preciso editar uma lei para dizer aos machistas aquilo que é o óbvio: “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.

No último dia 09 de Fevereiro, o STF deu mais um passo na consolidação do princípio da igualdade de tratamento. Decidiu pela constitucionalidade dos arts. 1º, 33 e 41 da Lei Maria da Penha, acabando de vez com os focos de resistência à sua aplicação e, ainda, reconheceu que o processo judicial deve ser iniciado independentemente da vontade da mulher, ou seja, o Ministério Público, agora, poderá dar início a ação penal nos casos de crimes de lesão corporal, mesmo de caráter leve, independentemente de representação.

Esta decisão do STF representa um avanço, eis que, aos olhos do agressor, não mais recairá sobre a vítima a exclusiva responsabilidade pela existência da ação penal, além disso, diminuirá a impunidade e, certamente, terá efeito inibidor.

Até então, 90% das mulheres agredidas desistiam de processar o agressor, muitas vezes por pressão e/ou medo de revanche, isto significa que a grande maioria dos agressores não eram sequer processados. O STF, mais uma vez, fez Justiça e a decisão, com certeza, repercutirá na estatística, contribuindo para a proteção da família, o fim do preconceito e a igualdade de direitos.