ODEIO GERÚNDIO

Vitor de Athayde Couto

 

O PARADOXO DA CRIAÇÃO
Quem veio primeiro? A criação ou a evolução? Se só evolui o que já foi criado, Deus nos deixou mais esse abacaxi para ser descascado. O abacaxi é uma protofruta experimental que Deus deixou à toa na sua eterna oficina, quando tentava criar a banana, e foi descansar um pouco na sua rede de tucum.

CRIAÇÃO E CRÍTICA
O telencéfalo divide-se em dois hemisférios. O hemisfério da criação e outro da crítica. Mas tem gente cerebral pela metade e parada no tempo, porque só usa o velho e preguiçoso part-time brain. Apenas cria, nunca critica. O problema é que, sem crítica, o conhecimento não avança. Parar no tempo é repetir o que já se sabe. No popular, é só mais do mesmo.

EMPREENDEDORISMO TABAJARA
Os consultores dos cursos de empreendedorismo quase sempre estão desatualizados. Inovar não é preciso, basta ser qualquer coisa que as atuais gerações desconheçam – e não é difícil encontrar essa qualquer coisa. Por exemplo, um restaurante alemão inovou com muita ousadia. Lá, a sobremesa é servida em um chinelo. Pois já é hora de os empreendedores brasileiros também ousarem, criando uma escova específica para lavar chinelos em que as sobremesas são servidas. Depois, pode-se criar um desodorante de chinelo, uma decoraçãozinha de chinelo com um raminho de manjericão… Inovar é preciso, mas também é preciso inovar.

MUITO PRAZER, MEU NOME É IA
Tem gente tão atrasada no tempo que ainda dorme na uberização. E combate essa que é uma das últimas oportunidades de ocupação de trabalhadores sem nada – há quem chame isso de emprego. Os governos também são tão atrasados no processo de regulamentação do transporte e das entregas por aplicativo, que não vão chegar a tempo de dar um mínimo de segurança aos apptrabalhadores. Enquanto parlamentares discursam, drones e automóveis sem motorista já resolveram o problema do capital e do lucro: acabou-se o objeto da discussão. Motoristas e motociclistas serão descartados e deixarão de existir. O capital, por ser tão rápido quanto perverso, opera o milagre de deixar até saudade da uberização, saudade do tempo em que o trabalho era precário, mas a ocupação mesmo temporária ainda existia.

ODEIO GERÚNDIO
Outro dia fui comprar uma tinta.
– Bom dia. O senhor tem esmalte sintético à base d’água de cor branco neve?
– Bom dia. No momento não estou tendo. Mas eu vou ter branco polar.
– E quando o senhor vai ter? – perguntei.
O vendedor me olhou desconfiado, pensando que eu sou maluco, e com razão. Para sua felicidade, acabou salvo pelo gongo:
– Com sua atenção, colaborador Andreysson! Compareça à frente de loja!
Num segundo, o vendedor, ops, o colaborador sumiu da minha frente.

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