Vitor de Athayde Couto

Parabéns à Parnaíba, pelo seu aniversário!

 

O comércio parnaibano dependia de embarcações, que dependiam do porto, que dependiam dos marinheiros, da matalotagem, de manutenção, dos estaleiros de reparação, das oficinas, dos mecânicos, da capatazia, da estiva, das carroças, dos jumentos, das ancoretas, das prostitutas, das lavadeiras, e de pelo menos uma banquinha de tatuagem, ao ar livre, que o povo chama de clínica. Nenhuma dessas etapas, que conduziram à prosperidade da Parnaíba, podia ser cumprida sem cabarés. Não existe no mundo nenhum sistema portuário sem cabarés e sem pelo menos uma clínica. Duvida? Pois pense no marinheiro Popeye. A tatuagem portuária clássica é ou não é uma âncora?

 

Atualmente, os sistemas portuários são bastante complexos. Mas permanece algo comum aos sistemas históricos, desde os mais simples, de entre duas guerras, até os atuais sistemas de logística e containers. Eventualmente, alguns sistemas possuem complexos portuário-industriais, com destaque para a petroquímica. O que tem de comum entre eles, é que todos os sistemas, por mais mecanizados e informatizados que sejam, só funcionam se tiver trabalho humano. Como as atividades portuárias sempre foram predominantemente masculinas, a enorme concentração de homens num mesmo local constitui um grande mercado de cabarés. A principal demanda é pelo entretenimento. Aqui se destaca a prostituição, imprescindível para desenjoar a marujada das longas viagens. Com o progresso técnico e o turismo, os cabarés também se modernizaram e passaram a funcionar em sistemas de redes, onde se disponibiliza uma enorme diversidade de aplicativos de encontros ou escorts, além de novos modelos de tatoos, inclusive mangás.

 

Voltando à Parnaíba de entre duas guerras, não se pode deixar de mencionar outras heroínas, tão essenciais quando as prostitutas. Estou me referindo às lavadeiras. É inegável a importância dessas heroínas na cultura local, particularmente na literatura. Nenhuma família, tão parnaibana quanto silenciosa, era imune a uma história, por mais singela. Histórias que envolviam prostituição, principalmente no seio das famílias mais moralistas e religiosas. Como se pode imaginar, a vida útil de uma prostituta, naquelas condições dos anos 1920 a 1940, não era muito longa. Como não era muito longa a vida de ninguém. Logo, logo, as prostitutas inativas terminavam os seus dias lavando roupa de ganho na beira do cais, ao lado das outras ganhadeiras profissionais, predecessoras das máquinas de lavar dos anos dourados do pós-guerra.

 

As roupas ensaboadas e estendidas nos quaradores de pedra do cais temperavam o rio. Nesse mesmo cais das lavadeiras, os aguadeiros e seus jumentos entravam na água até a altura dos joelhos para encher as ancoretas. Ali mesmo os jumentos faziam as suas necessidades e as lavadeiras nadavam enquanto o sol secava as roupas de cores firmes, graças à qualidade dos tecidos e ao anil imperial. Depois as roupas eram dobradas e embaladas em trouxas que se equilibravam sobre a cabeça das mulheres, forçadas a andar longas distâncias, sempre elegantes, móde proteger a coluna dorsal. Seus rostos revelavam, ao mesmo tempo, sofrimento e dignidade.

 

Essas heroínas, que fizeram a história da Parnaíba, tão dignas quanto invisíveis, estão aqui representadas no desenho de Percy Lau “Lavadeiras” e na fotografia preto e branco da Foto Melo “Lavadeiras no cais do rio Igaraçu”. O leitor poderá apreciar o desenho do tangedor e seu jumento. Para saber mais, poderá pesquisar [Santana do Ipanema + jumento] e verá a justa e merecida homenagem que o animal recebeu, pela grande contribuição prestada a todos os nordestinos, durante cinco séculos.

 

 

***

Atendendo a pedidos, volto à história do Edvaldo. Vado, para os amigos. Era sexta-feira, dia de sex-to-u (sex to you). Dona Lucilene, sua esposa, que estava grávida, desejou comer uma caranguejada. Aproveitando a oportunidade, Vado, todo gaiato, foi logo se oferecendo pra comprar os caranguejos, garantindo que os maiores só podem ser encontrados na beira do cais, direto das canoas. “É longe, mas vale a pena, mulher. Você merece o melhor!” – disse Vado, com aquela conhecida ênfase de marido infiel. “Você merece o melhor!” – essa foi demais, pensou. Todo contente, meteu o dinheiro no bolso, e lá se foi ele no fim da tarde até os Tatoos.

 

Chegando ao cais, encontrou os amigos, bem antes de as canoas chegarem, abarrotadas de caranguejos. No point das estupidamente, pediram logo duas e assim seguiram até a tarde do domingo. Na hora de pagar a despesa, Vado olhou pro dinheiro que lembrou os caranguejos e o desejo de Lucilene. Vixe! Correu pra comprar, mas só achou fundo de canoa, ou seja, os menores. Azar, vai assim mesmo. Enquanto voltava pra casa, ao anoitecer, ia elaborando um plano que justificasse sua demora de dois dias e duas noites, só para comprar umas cordinhas de caranguejo. Chegando ao quarteirão, onde mora, olhou pros lados. Não havia ninguém. Desamarrou as cordas e soltou os caranguejos na calçada, bem na esquina, e foi tangendo. Já pertinho de casa, começou a gritar bem alto: “xô, caranguejo! xô, caranguejo!”

 

Dona Lucilene logo apareceu na porta, com uma vassoura numa mão, e a mala do marido na outra. Vado, vendo aquela cena beligerante, que prenunciava a terceira guerra mundial, foi logo se desculpando enquanto exalava aquele bafo de cerveja quente, que um dia foi estupidamente:

 

– Calma, Lu! Calma Luzinha! Eu explico. É que o vendedor não tinha embira pra amarrar os carango e eu tive que vir tangendo tudo, dos Tatoos até aqui, xô, caranguejo!

 

– Ora, mô… – disse dona Lucilene, com todo carinho, para atrair o abestado até o alcance do cabo de vassoura –só tinha esses aí, tão pequenos?

 

O resto… preciso mesmo contar?