PARNASIA[1]

 

Vitor de Athayde Couto

 

Onde fica Parnasia? Na Grécia? Canadá? Montparnasse? Paris, Texas?

 

Parnasia (pronuncia-se Parnásia, em parnasianês) é uma cidade portuária situada na variante delta. Trata-se da margem direita do rio Piroga Grande, com acesso pelo antigo Porto Sagrado da Província de Manitoba, território algonquino. Como em toda cidade portuária, desenvolveu-se ali uma respeitável cultura de cabaré, e, em decorrência, de tatuagens.

 

Foi essa cultura de marujos, prostitutas e tatuadores – disse Mani, folheando o seu querido diário – que inspirou o cartunista Segar, em Chicago, principal porto do Grande Lago. Segar criou o marinheiro Popeye, que exibia no antebraço musculoso uma visível tatuagem de âncora. Ao perceber que o público infantil acolheu as historinhas da turma, integrada pela Olívia Palito, Dudu, Procopinho (irmão caçula do Pinduca), Brutus e pela Bruxa do Mar, o cartunista Segar excluiu o cabaré, em respeito às crianças. Mas a tatuagem permaneceu indelével no antebraço do famoso marinheiro.

 

– Quando criança – lembrou Mani – eu ficava sentada no chão, ao lado da poltrona de papai, enquanto ele folheava o jornal. Em dado momento da leitura, ele destacava e me dava a folha de entretenimento (palavras cruzadas, horóscopo, piadas, espetáculos, etc.). Cultura de almanaque, era tudo que eu queria. Mas o meu maior interesse voltava-se para as tirinhas de desenhos, entre elas, a tirinha do Popeye, com os traços de Segar, que eu amava. Até hoje sou viciada em garatujar papéis. Quando desenhava marinheiros, nunca esquecia de acrescentar tatuagens de âncoras. Essa cultura portuária levou-me a entender por que o povo chama o Porto Sagrado de Porto dos Tatuadores, ou, simplesmente, Porto dos Tatoos.

 

Cobrindo toda a planície litorânea e arenosa, sobre as restingas, lagunas, ipueiras doces, arrombados, fundões, apicuns salgados e terrenos assoreados, o espírito de Manitu paira e governa sobre todo o território da Parnasia. De matriz desconhecida, esse campo energético complexo nunca foi estudado com a seriedade de um rigoroso método científico. Em dias de soalheira, só se divulgam narrativas desconexas e míticas, tiradas de velhos almanaques empoeirados, com furos de traças, cupins, e um forte cheiro de naftalina. Essa mitomania invadiu as “editoras” gráficas, livrarias, bibliotecas e escolas. Daí se criou uma sociedade de mitômanos, a exemplo do mentiroso de Parnasia.

 

Enquanto isso, o conhecimento tradicional algonquino ocupa um espaço de que a ciência não dá conta. Essa tradição, apoiada por uma mitologia politeísta, dá um mínimo de segurança aos parnasianos, principalmente aos marinheiros, despachantes, artistas, estivadores, mataloteiros, bêbados, poetas, santeiros, malabaristas, malucos… além do pessoal da capatazia e da praticagem. Ah, e as prostitutas e viados. Sobretudo as prostitutas.

 

Manitu domina os ventos, a areia do Saara que atravessa o Mar de Atlas, os campos de dunas, morros, salinas, sabiazais, muçambês, nascentes, apicuns salgados e manguezais por quase toda a costa atlântica brasileira.

 

Enquanto esse vazio de conhecimento hiberna na Província de Manitoba, fala-se ou se publica qualquer coisa. Todo mundo acredita, só porque a informação está na internet, onde qualquer coisa torna-se verdade na velocidade da luz. Ainda mais se essas quaisquer coisas forem publicadas mil vezes. Esta é a principal lei urbana da província. Publicou? Logo, é verdade, glória a Deus!

 

Atualmente – prossegue Mani – se alguém pesquisar sobre a origem ou o significado de manitoba, são muitas as respostas. Elas variam conforme a opinião dos historiadores formados no murundu de ideologias poligenéticas que emanam da cabeça de mestres-com-carinho nas uniesquinas. Daí resulta uma inevitável e divertida confusão.

 

Por exemplo, se eu perguntar aos historiadores: o que é manitoba? Respostas:

 

Historiador 01 – Manitoba significa comida do chefe.

 

Historiador 02 – Manitoba é mania de grandeza.

 

Historiador 03 – Manitoba é uma província canadense.

 

Historiador 04 – Manitoba é a mandioca do Zé Bunitim (alguns preferem a mandioca gigante do Kid Bengala).

 

Houvesse mais historiadores 05, 06, 07… a confusão seria tamanha que acabaria chegando em algum et coetera. Mas eu entendo que Manitoba é a minha casa. Sim, Manitoba é a casa de Mani. Os historiadores bem formados, com solenidades, e mal informados garantem que tudo depende do método, que eles apelidam de método científico. Pra falar a verdade, apenas uma coisa é certa: ninguém se entende. Garanto. Falo com autoridade porque nasci aqui em Parnasia…

 

(continua na próxima crônica “QUEM É MANI?”)

 

[1] N.A. – Parnasia começou na brincadeira, por puro divertimento. São fuleragens que venho escrevendo há mais de dez anos. Em 2017 publiquei “Fuleragens e outras influências da língua inglesa no nordestinês”, no “Almanaque da Parnaíba” n.70, p.269-281. Todas essas crônicas integram um livro imaginário, intitulado “Crônicas de Parnasia”, cujo tema central é a mentira e o paradoxo de Pinóquio. Habitada por incontáveis poetas e outros fingidores autodeclarados, Parnasia ensina como se aprende a mentir desde a primeira infância. Assim como o Monte Parnaso é uma Apolo-gia às musas. E aos museus. Em Parnasia é muito fácil ser feliz. Desde que não se leve nada a sério.

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: