Perguntas e respostas: consequências jurídicas do novo coronavírus
A OMS classificou como pandemia a doença causada pelo Novo Coronavírus (COVID-19). Na imprensa e nas redes sociais não se fala noutra coisa. O assunto também se tornou viral.
Diante dessa pandemia experimentamos uma situação de excepcionalidade, com mudanças de rotina, alterações de comportamentos e sacrifícios necessários para preservação da integridade física e saúde das pessoas.
É chegada a hora de termos consciência de que a atitude de cada um reflete e é importante para o bem de todos, por isso é imprescindível que aceitemos como modelo de nossas condutas o que está contido nas normas editadas pelo Poder Público.
E onde houver normas, há direito a ser observado. Por isso, o assunto Novo Coronavírus também interessa ao Direito, que, na realidade, está presente em todas as áreas do comportamento humano.
Assim, no intuito de colaborar, esclarecer algumas dúvidas, decidi abordar neste espaço alguns questionamentos importantes, no formato de perguntas e respostas, esperando ser útil no esclarecimento de alguns assuntos jurídicos, relacionados especificamente ao Novo Coronavírus.
P – Pode-se ir à Praia, cinema, academia e restaurantes no período de “quarentena”?
R – A Lei 13.979 de 06.02.2020 dispõe no artigo 3º que, para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, o isolamento e a quarentena, dentre outras medidas relacionadas no citado dispositivo.
No Piauí, por força do Decreto n. 18.902, a partir das 24 horas do dia 20.03.2020 estão suspensas todas as atividades em bares, restaurantes, cinemas, clubes, academias, casas de espetáculo e clínicas de estética, dentre outras relacionadas no citado Decreto.
Através do Decreto datado de 20.03.2020, em Luiz Correia estão suspensas, sob regime de quarentena, a entrada de turistas/visitantes, a circulação de veículos de transporte turístico de passageiros e a circulação de pessoas a partir das 18 horas de cada dia.
P – Pode-se exercer normalmente atividade comercial ou de prestação de serviço no período de quarentena?
R – Com base no Decreto n. 18.902, “fica determinada, a partir das 24 horas do dia 23 de março de 2020, a suspensão de todas as atividades comerciais e de prestação de serviços no âmbito do Estado do Piauí”, com exceção de mercearias, mercadinhos, mercados, supermercados, hipermercados, padarias, lojas de conveniência e de produtos alimentícios, farmácias, drogarias, produtos sanitários e de limpeza, lavanderias, postos revendedores de combustíveis, distribuidoras de gás e borracharias, hotéis, com atendimento exclusivo dos hóspedes, distribuidoras e transportadoras, serviços de segurança e vigilância, serviços de alimentação preparada exclusivamente para sistema de entrega, bancos, serviços financeiros e lotéricas, serviços de telecomunicação, processamento de dados, call center e imprensa, os quais ficam obrigados a apresentar plano de redução das atividades e funcionarão de acordo com as determinações sanitárias expedidas pela Secretaria de Estado da Saúde do Piauí.
P – Nesse período de calamidade pública, o devedor responde por juros de mora, diante da impossibilidade de pagar uma dívida, por motivo alheio à sua vontade?
R – Os bancos, serviços financeiros e lotéricas poderão funcionar, desde que obedecendo ao regramento a eles impostos, tendo, porém, que ajustar o horário de atendimento ao público de suas dependências, conforme determinação do Banco Central. Pagamentos poderão ser feitos também por canais digitais, evitando o deslocamento até a agência bancária.
O ideal é sempre pagar as dívidas o respectivo vencimento. Caso, de todo modo, seja impossível fazê-lo, o artigo 393 do Código Civil estabelece que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. De notar que pelo Decreto Legislativo n. 6 de 20.03.2020 foi reconhecida a ocorrência do estado de calamidade pública.
Além disso, em conformidade com o artigo 396 do Código Civil, “não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”.
O consumidor tem, ainda, direito a revisão das cláusulas contratuais em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (art. 6º, V, Lei 8078/90).
P – É justificada a falta ao emprego durante o estado de calamidade pública?
R – Segundo o parágrafo terceiro do artigo 1º da Lei 13.979 de 06.02.20202, “será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo”.
Não é hora de punir empregados, mas, sim, agir com humanidade. É importante evitar demissões. A Medida Provisória n. 927, de 22.03.2020, possibilita a adoção do teletrabalho, do banco de horas e do aproveitamento/antecipação de feriados, para enfrentamento dos efeitos econômicos do estado de calamidade pública e para a preservação do emprego e renda.
P – Poderão ser concedidas férias durante o estado de calamidade pública?
R – A Medida Provisória n. 927, de 22.03.2020, dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Novo Coronavírus (Covid-19). Dela consta a possibilidade de concessão de férias individuais nesse período, as quais poderão ser concedidas por ato do empregador, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido.
Férias coletivas também poderão ser concedidas, ficando dispensadas as comunicações prévias ao órgão local do Ministério da Economia e aos sindicatos representativos da categoria profissional, de que trata o art. 139 da CLT.
A Medida Provisória n. 927 prevê, ainda, que “durante o estado de calamidade os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais […]”.
P – Durante o período de calamidade poderão ser reduzidos os salários?
R – O artigo 18 da Medida Provisória n. 927, de 22.03.2020 previa a suspensão do contrato de trabalho pelo prazo de até quatro meses, período e que o empregador poderia conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial. Porém, este artigo foi revogado no dia seguinte após a publicação da Medida Provisória, por ser flagrantemente inconstitucional.
O princípio normativo que prevalece no nosso ordenamento jurídico é o da irredutibilidade salarial. Contudo, o artigo 503 da CLT considera “lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa”, respeitado o percentual máximo de 25% de redução e o salário mínimo legal.
Porém, a CF/88 no artigo 7º, inciso VI, considera direito do trabalhador “a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Revogou, portanto, em parte o artigo 503 da CLT proibindo a redução unilateral, por decreto e até mesmo por sentença, mesmo em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados.
O espaço não me permite responder outras indagações, contudo, nunca é demais dizer que durante esse período devemos ficar em casa, para ajudar na diminuição do contágio e evitar colapso no sistema de saúde. Nesse caso, o princípio da solidariedade, sobretudo com os mais idosos, deve se fazer presente em nossas atitudes, para tornar efetiva a nossa responsabilidade social.
Aliás, o desrespeito às medidas impostas pelo Poder Público, inclusive quanto ao isolamento e quarentena, acarretará responsabilização nos termos previstos em lei, conforme dispõe o parágrafo 4º do artigo 3º da Lei 13.979.
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