PEROBA NA PEREBA

 

Vitor de Athayde Couto

 

– Ei, Galera!

– Que que foi?

– Galerão foi ao médico.

– Que médico?

– Dermatologista.

– O que que ele tem?

– Pereba. Pereba no rosto.

– Pereba? Naquela cara de pau?

– Acertou. Ela tá usando aquele óleo…

– Óleo 30?

– Hahaha – riram todos os presentes no salão de sinuca.

– Não. É óleo de peroba. Na cara de pau.

– Hahaha, peroba na pereba – hahaha!

– E melhorou? – perguntou Loréu, o eterno bêbado.

Em meio ao silêncio, Maruzinho retomou a conversa trazendo novas informações:

– Estive com Galerão lá no “Garapa com pão” do mercado. Ele anda muito invocado e também muito irritado.

– Irritado com o quê?

– É porque… porque na bula do remédio que o médico receitou está escrito assim: “Este medicamento é para tratar doenças de pele. Mas, atenção, pode causar irritação na pele.”

– Essa agora eu não entendi.

– Pois é. Ninguém entendeu. Parece que o medicamento (medicação, em parnasianês) também causou outras irritações.

– Irritações, onde?

– Ora, no bolso, no pensamento e nas ideias dele. Ele anda muito invocado.

– Com o quê?

– Com a bula do remédio.

– Por quê? As letras são muito pequenas?

– Não. Agora é lei. As letras têm que ser bem grandes para que todos os pacientes possam ler, em linguagem fácil, e entender quais os efeitos colaterais, a interação medicamentosa, o CID, o protocolo…

– Iaí? Ele tá invocado com o quê?

– Com a bula, eu já disse. Ele quer saber quem foi que inventou aquele jeito maluco de dobrar as bulas dos remédios. Não tem quem consiga dobrar de volta, do mesmo jeito que elas vêm na caixa. Agora ele está juntando dinheiro pra viajar. Quer visitar uma fábrica de remédios e observar o momento em que as bulas são dobradas. Tem perdido noites, com insônia. Disse até que, se não fizer isso, não conseguirá mais dormir. Nunca mais. Pensou em comprar um remédio pra dormir, mas desistiu.

– Desistiu? Por quê?

– Porque tem medo de vir outra bula, dobrada de um jeito mais maluco ainda.

– Ora… é só tomar uma que resolve – disse Loréu, o eterno bêbado.

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: