Tenho prazer de ceder o espaço desta Coluna ao pós-graduando David Soares para publicação do texto abaixo, fruto de reflexões e debates no curso de especialização em Direito Público da FAP.
Reflexões acerca do projeto do novo Código de Processo Civil
A premissa utilizada para demonstrar a necessidade de se criar um novo Estatuto Processual Civil foi a de que a prestação da justiça não é ofertada em um tempo razoável e, em razão disso, devem-se elaborar novas leis para cumprir a promessa constitucional inserta no artigo 5°, inciso LXXVIII, da Carta Cidadão de 1988.
Alicerçados basicamente nessa assertiva, o Poder Legislativo, com a finalidade maior de acabar com a morosidade da justiça, criou uma comissão de juristas, a fim de que estes elaborassem um anteprojeto que trouxesse medidas legais capazes de solucionar esse problema que assola a justiça brasileira de longa data.
Assim, após a comissão elaborar um pacote de medidas legais, trazendo institutos processuais novos e retirando aqueles que se mostraram ineficazes, enviaram o anteprojeto ao Senado Federal com a promessa de que o novo modelo agilizará os processos, diminuindo sobremaneira sua duração.
Em que pese a elevada cultura jurídica da seleta comissão de juristas, sabe-se que a questão precisa de soluções de ordem prática, operacional e estrutural, e não somente teórica.
A explicação para tanto é bastante simples: não adianta uma novel legislação processual, quando as circunstâncias dão ares de que a juntada de uma petição e o cumprimento de um mandado continuará demorando meses para serem feitos. Isso para ficar somente nesses exemplos.
Quem não vive o dia a dia forense deve achar isso um absurdo, quando, na realidade, se trata de questões recorrentes. Em suma: o problema não são as leis, mas, sim, a estrutura operacional do sistema que é extremamente precária.
Não obstante isso, convém aclarar que inseriram no projeto instrumentos bem interessantes. Por brevidade, cumpre assinalar apenas um, o qual tem potencial de tornar a prestação jurisdicional mais equânime.
O instrumento é o da uniformização da jurisprudência, o qual está descrito no artigo 847 do projeto em crivo. Todavia, calha destacar o seu inciso IV, que se encontra redigido da seguinte forma: a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia.
Pela dicção literal do dispositivo suso, verifica-se que as decisões dos tribunais superiores irão pautar a forma de julgar dos juízos monocráticos e dos tribunais, o que significa dizer, em síntese, que após os tribunais superiores firmarem um entendimento, ele será, necessariamente, aplicado nos conflitos em que os jurisdicionados estejam em situações jurídicas idênticas.
Portanto, a nova sistemática, se aprovada, promete dar um tratamento mais isonômico, além de garantir maior estabilidade às relações jurídicas. É um modelo que se apresenta teoricamente mais racional, uma vez que, nos dias que correm, a sensação é de que a prestação jurisdicional está sendo ofertada de maneira lotérica.
Como uma das finalidades do direito é fazer justiça no caso concreto, cabe uma breve reflexão sobre o que é Justiça. Decerto, é um conceito difícil de ser formulado, pois sua construção vai depender dos valores e ainda da observação de cada um. Porém, sempre que se discute acerca deste tema, seja no ambiente acadêmico, seja numa conversa informal e despretensiosa, um elemento parece estar sempre presente: é a ideia de igualdade. Como dizia Santo Tomás de Aquino: “Direito é o que é devido a outrem, segundo uma igualdade”.
Ora, se é verdade que a ideia de igualdade perante a lei está subjacente a de justiça, não é razoável que pessoas que estejam em situação jurídica idêntica, recebam respostas diversas dos órgãos jurisdicionais, somente porque estes divergem ao interpretar determinada norma, tornando a jurisprudência instável e gerando uma imensa sensação de insegurança jurídica.
Todavia, há resistência em aceitar o mecanismo da uniformização da jurisprudência, seja por questões fático-jurídicas envolvidas, seja porque a comunidade jurídica, como regra geral, é muito conservadora. Para ratificar, basta olhar em retrospectiva a celeuma criada em torno da implantação dos institutos da repercussão geral e da súmula vinculante.
As circunstâncias não permitem uma análise mais profunda, mas cabe uma última observação: seja qual for o modelo que prevaleça (o atual ou o vindouro), é imperioso que os operadores do direito o abracem e sejam capazes de utilizá-lo da melhor forma possível em prol da sociedade, porque pior do que não ter um modelo ideal, é ter um que nunca se consolide.
David Soares
Especializando em direito público.