Religiões no Brasil parte 4: FERRO E FOGO

Vitor de Athayde Couto

Ao visitar vários espaços religiosos nos municípios da amostra, Ifé gravou entrevistas, reuniu anotações e fez contatos valiosos para a sua pesquisa. Rigorosa na busca do conhecimento, espera encontrar respostas seguras para suas questões. Esse foi, sem dúvida, o fim de semana mais produtivo. Ifé entrevistou devotos e líderes espíritas, católicos, umbandistas, pastores…

Feliz pelo bom resultado obtido, Ifé chega à estação rodoviária na madrugada de segunda-feira. Ao reunir seus pertences, sente falta do celular onde gravou as entrevistas. Enquanto procura o aparelho no interior do ônibus, um funcionário ordena que ela saia logo porque precisam desocupar a vaga para outro veículo. Ifé faz um BO no posto policial e se dirige à estação de metrô.

Ao chegar em casa, é recebida por dona Valdete, em prantos.

– O que foi, mainha?

Dona Valdete abraça a filha e, com um suspiro profundo, murmura:

– O Peji, minha filha.

– Mainha, o que aconteceu?

Em silêncio, mãe e filha, assustadas, dirigem-se à cozinha, onde já sentem um cheiro forte, mas não é do tão esperado café. É cheiro de queimado. Abrem a porta que dá para o pequeno quintal, procuram o Peji. Em vão. No seu lugar, agora só resta um amontoado de cinzas e cacos de cerâmica.

– Oxe, quem fez isso, mainha?

– Quem sabe, Fefé? Ninguém sabe, nenhum vizinho viu. Foi de noite, mas seu Antônio disse que ouviu alguém gritar “Queima, Exu! Queima, demônio!”

Ifé emudeceu. Só pensava em vó Alika, que construiu o Peji com suas mãos, ajudada por Vado M’gumbè. Antes de morrer, vó Alika chamou Ifé e disse: “Cuide do Peji, fia, como se fosse seu, mas lembre, não é seu, é dos santos”.

Olhando em volta, Ifé percebe que os galhos mais baixos do Iroko da gameleira branca estão chamuscados. Procura o pé de rosa-menina que Vado M’gumbè, seu pai adotivo, plantou no dia do seu aniversário de 15 anos, mas a roseirinha foi totalmente queimada. Com ajuda de um gadanho, afasta cacos de cerâmica no monte de cinzas. Lá estão, intactas, as estatuinhas de Exu e Xangô. É o que restou do Peji. Olhando as imagens, Ifé percebe uma mensagem. Sua vó dizia que o Ferro de Exu e o Fogo de Xangô simbolizam resistência e força: “Fogo não queima fogo, nem o que é feito no fogo”.

A verdade não é feita de argumentos que se perdem em contra-argumentos até o pensamento infinito. A verdade é a repetição cotidiana dos fatos reais. Naquele dia, Iroko, senhor do tempo, encerrou mais um ciclo.

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