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Conselhos estimam perdas de mais de R$ 400 bi nos próximos 20 anos. Para Conselho Nacional, PEC seria a ‘morte’ do SUS. Governo contesta.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) calculam que a proposta de emenda constitucional (PEC) que institui um teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos pode impor perdas bilionárias para o setor de saúde. Representantes do governo contestam essas estimativas.

Pela proposta do governo, durante os próximos 20 anos (com possibilidade de mudança do formato de correção a partir do décimo ano), as despesas públicas serão corrigidas no máximo pela inflação do ano anterior, ou seja, não terão crescimento real (acima da inflação).

O setor de saúde terá tratamento diferenciado. Os gastos com saúde serão elevados a 15% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, com correção pela inflação somente a partir de 2018, segundo a proposta divulgada pelo relator Darcísio Perondi (PMDB-RS).

Para entrarem em vigor, as mudanças do formato de financiamento da saúde ainda precisam passar pelo crivo da comissão especial do Congresso criada para discutir assunto e dos plenários da Câmara e do Senado Federal.

Atualmente, a saúde, assim como a educação, tem suas despesas mínimas fixadas com base em um percentual da receita corrente líquida.

Como a expectativa é de crescimento da economia brasileira nos próximo anos – cenário que já se vislumbrava antes mesmo do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff – a arrecadação federal tende a aumentar. Por isso, as entidades calculam que, mantidas as regras da PEC do teto de gastos nesse cenário, haverá perdas para a saúde e também para a educação.

No início deste ano, ainda no governo Dilma, o mercado já previa um crescimento de 0,8% da economia para 2017, de 1,8% para 2018 e de 2% para 2019.

Com a vigência da PEC do teto, o Conselho Nacional de Saúde calculou as perdas para a saúde nos próximos 20 anos em R$ 424 bilhões.

Em nota conjunta, o Conass e o Conasems estimam que o setor deixará de receber, até 2036, R$ 433 bilhões, dos quais R$ 57 bilhões até 2025, momento no qual o formato de correção poderá ser alterado, se essa for a vontade do presidente que estiver no poder nesse ano.

Esses cálculos foram feitos nesta quarta-feira (5), já considerando as últimas mudanças feitas no texto da PEC feitas nesta semana pelo relator do projeto no Congresso Nacional.

‘Morte’ do SUS
O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Santos, não poupa críticas à PEC do teto, que, para ele, representará a “morte” do Sistema Único de Saúde (SUS). O sistema atende a 75% da população brasileira, cerca de 150 milhões de pessoas.

O conselho é vinculado ao Ministério da Saúde e é a instância máxima de deliberação do SUS. Integram o conselho representantes de entidades e movimentos de usuários da saúde, entidades de trabalhadores do setor, governo e prestadores de serviços de saúde,

“Há necessidade de ajustes nas contas públicas. Há desequilibrio, mas a questão é quem irá pagar a conta. Achamos que não pode ser a vida do povo brasileiro. Há outras medidas econômicas, como por exemplo, a taxação de grandes fortunas e da especulação financeira”, declarou Santos.

De acordo com Santos, atualmente o governo, os estados e os municípios gastam cerca de 3,9% do Produto Interno Bruto (PIB) com saúde, patamar inferior ao da média de 8% do PIB dos 34 países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Com a PEC do teto, informou o conselho nacional, o gasto cairá mais ainda no futuro, para cerca de 2% do PIB ao final de 20 anos.

Segundo ele, a PEC do teto comprometerá cirugias oncológicas, exigirá menos gastos com o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), menos equipes de Saúde da Família, menos transplantes e menos assistência farmaceutica em um cenário de crescimento e de envelhecimento populacional – momento em que a Saúde é mais demandada.

“Os parlamentares não foram eleitos para mudar o contrato social brasileiro, para colocar a responsabilidade por politicas públicas por saúde nas mãos das famílias e do mercado”, concluiu Ronald Santos, presidente do CNS.

Em nota divulgada nesta quarta-feira, o Conass e o Conasems avaliaram que os efeitos da PEC do teto de gastos públicos serão “desastrosos” para todas as esferas do SUS, principalmente para estaduais e municipais do sistema.

“De forma direta, essas esferas recebem da União repasses da ordem de 64% do orçamento do Ministério da Saúde, destinados a atendimentos de atenção básica, média e de alta complexidade. De forma indireta, cita-se como exemplo os recursos financeiros destinados à compra centralizada de medicamentos de alto custo, realizada pelo Ministério da Saúde”, avaliaram as entidades.

Os conselhos acrescentaram que “congelar” por 20 anos recursos financeiros federais destinados ao SUS é “ignorar a regra constitucional que estabelece o direito à saúde mediante políticas econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Governo contesta
Autoridades do governo têm argumentado que não se pode comparar cenários, retrospectivos ou prospectivos (estimativas para os próximos anos), que mostram a diferença entre a aplicação do método da PEC com aquele ocorrido ou sua tendência.

O governo avalia que tanto o PIB como as receitas que servem de base de cálculo para os pisos teriam crescido ou crescerão de forma desigual.

A visão da equipe econômica é que, sem a PEC do teto de gastos, haveria um crescimento econômico menor no futuro, o que faria também com que as receitas fossem mais baixas.

Segundo o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, a vinculação dos gastos com saúde e educação a um patamar da receita líquida do governo, atual formato contemplado na Constituição, não garante qualidade do serviço.

“Receita vinculada não é garantia de prioridade e de gasto aplicado. Isso não significa qualidade e tampouco prioridade”, declarou Almeida em setembro deste ano.

Fonte: G1