Dinheiro curto, salário ganho em um mês e que desaparece em uma hora, para o bom pagador, o cidadão comum, o assalariado, que é a maioria, vive espichado em dívidas, prestações atrasando, o crédito fugindo, ameaças chegando e o diabo encarnando no pobre brasileiro.
Cada um representa o verdadeiro “Zé da Prestação”, nem sempre capaz de pagar em dia o carnê da loja, o talão de luz, água ou a mercearia. E não é por má-vontade não, é porque não dá mesmo. Por mais economia que faça, com a supervisão da sempre zelosa mulher, o nosso trabalhador vive dependurado nos cadernos e na memória dos credores.
Por causa desse problema social, que não é só brasileiro, mas de todo o mundo, até mesmo nos países ditos ricos e desenvolvidos, é que surgiu um novo tipo de mercado de trabalho, ou uma invenção de trabalho, que é o “BICO”.
O IBGE mostra que esse movimento alternativo em busca de uma fonte de renda está se alastrando, justamente em função do desemprego e do achatamento salarial.
Atividades como a de vigia de automóveis, flanelinhas, vendedores de utensílios e frutas em sinais de trânsito, distribuidores de panfletos, pequenos guias turísticos, técnicos em informática, eletricistas, bombeiros, pedreiros são encontrados em locais determinados da cidade. E o “bico” econômico é a prática ou a atividade paralela ao emprego, ou mesmo aos que não o têm, atividade essa que gera renda e é exercida em horários e em locais especiais.
Os empregados usam o “bico” para aumentar a renda, complementar o orçamento ou, no caso dos mais aquinhoados, alimentar-lhes a avidez pelo dinheiro. Todo mundo sabe que tem gente que quanto mais tem mais deseja, não se contenta com nada, porque é incontrolável a sua ganância.
Quantos funcionários públicos ou privados encontram tempo e boa vontade para um “bico” que às vezes produz mais dinheiro do que o próprio emprego? Não se tem conta. O nobre leitor deve conhecer inúmeros exemplos.
O “bico” profissionalizou-se no mundo inteiro. Por exemplo, no Cazaquistão, o “bico” guardador de automóvel virou empresa e tornou-se uma realidade na economia local.
Aqui no Brasil temos alguns exemplos de organização de alguns “Bicos”, tais como associação dos lavadores carro, associação de pequenos guias turísticos e outras entidades muito comuns em cidades turísticas. E por aí vai a organização do que era, eminentemente, informal.
Vamos derivar para um pouco de folclore e de termos envolvendo a palavra “bico”:
Bico largo, tamanho 44 – sapato.
Bico de pena – pintura
Bico de papagaio – deformação da coluna vertebral
Bico (fazer ) quando uma criança quer chorar
Bico fechado – calado
Bico (mamadeira de criança)
Bico do peito
Bico na bola (chute)
Bico do pombo correio que contem ima, através de que se orienta.
Bico de luz
Bico, bom de – canta bem, leva na conversa.
Para findar, a informação do boêmio Bernardo Lobo, de Parnaíba que, sendo indagado sobre o que fazia informou: “estou que nem a cegonha, vivo do bico”. Só que o “bico”, a que se referia, era a “boa conversa”, o “bom papo” no que ele é competente, conhecido e respeitado.
Por Anchieta Mendes