TIVE UM IMPREVISTO

Vitor de Athayde Couto

Quando ouço ou leio um “vai-dar-certo”, eu não sei se a pessoa está querendo dizer “vai dar certo” ou “vai dar, certo?”. É que, nas redes sociais, a gente desaprendeu como usar vírgula, ponto e acento; ponto e vírgula, então, nem se fala. Acontece que, sem a vírgula, é impossível saber se alguma coisa vai dar certo ou se um certo alguém vai dar alguma coisa.

Nas parnasias da vida, entre jajás e vai-dar-certo(s), ouve-se muito a famosa frase “tive um imprevisto”. Fico me perguntando se nesses tempos de guerras, doenças, incerteza, desemprego, insegurança, juros altos, inflação e apagões, alguém ainda consegue prever alguma coisa que de fato venha a acontecer conforme previsto.

Em outras palavras, se você teve só, e somente só, um único imprevisto, pode-se considerar uma pessoa feliz e de muita sorte. Eu, particularmente, só tenho tido imprevistos no plural, cumprindo ou descumprindo meus compromissos.

Acho pretensioso dizer “tive (só) um imprevisto”, porque essa frase dá a ideia de que os demais compromissos são cumpridos no tempo previsto. Quer dizer que, fora isso, só tive previstos? Você já ouviu alguém dizer “tive um previsto”?

Refiro-me ao tempo previsto, porque essa frase se repete toda vez que alguém chega atrasado a um encontro marcado ou reunião de trabalho. A desculpa “tive um imprevisto” ganhou tanta preferência nacional que já virou concorrente do clássico “foi o trânsito” – mesmo nas parnasias da vida, onde não existe tanto trânsito assim, haha.

É melhor chegar atrasado numa reunião objetiva do que ser pontual naquelas reuniões em que as pessoas ficam só falando de paz (clique aqui), enquanto bebem latas de refrigerantes láite. Ou seria dáite? A única decisão tomada nesse tipo de reunião é marcar local, dia e hora da reunião seguinte. Assim, que nem o motorista ou motociclista apressado. Ele se arrisca no trânsito para não chegar atrasado no trabalho ou na escola. Mas, ao chegar no cartório, banco, hospital ou na repartição, acabou-se a pressa. Para atender o cidadão contribuinte, leva uma vida. E ainda pede calma, sempre repetindo “a pressa é inimiga da perfeição” – como se a lerdeza fizesse tudo perfeito.

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