A desconfiança de uma grande parcela da população na velocidade em que vacinas contra a covid-19 parecem ter surgido se espalha nos comentários em redes sociais.
Comparativos com o tempo de desenvolvimento de outros imunizantes são usados para justificar o receio.
De fato, as vacinas contra a covid-19 devem ser as mais rápidas da história a ficarem prontas, principalmente porque a tecnologia e o conhecimento avançaram o suficiente para que isso seja possível.
Uma vacina contra a bactéria Haemophilus influenzae, que causa a meningite, demorou 92 anos para surgir, desde o descobrimento do patógeno. A de poliomielite, 47 anos; a do sarampo, dez anos.
Ocorre que vírus e bactérias têm características próprias, que podem facilitar ou dificultar o desenvolvimento de um antígeno.
No caso do coronavírus, não houve até agora mutações significativas, o que é fundamental para uma vacina ter sucesso.
Além disso, a primeira cepa de coronavírus é conhecida pelos cientistas desde 1960, chamada de HCoV-229E, que, junto com outras três causa até hoje resfriado comum em humanos.
Portanto, para quem está dentro dos laboratórios, não se trata de um vírus novo, apenas uma variante daquilo que já se estuda há muitos anos.
China
Só é possível ter vacinas quase sendo lançadas hoje porque anos de estudos já estavam disponíveis para os cientistas quando o SARS-CoV-2 surgiu, em dezembro de 2019, na cidade chinesa de Wuhan.
A vacina da Sinovac Biotech, testada também no Brasil por meio de uma parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, usa uma tecnologia tradicional, de vírus inativado, a mesma das vacinas da gripe oferecidas todos os anos no SUS.
A empresa chinesa começou a partir de 2003 os primeiros estudos para uma vacina contra o primeiro coronavírus SARS-CoV-1, que provocou uma epidemia naquela época na Ásia.
Em 2004, a Sinovac já havia feito os primeiros testes clínicos em humanos. Ou seja, os chineses já têm tecnologia para o desenvolvimento de imunizantes contra o coronavírus há 16 anos.
Logo que o SARS-CoV-2 emergiu, o laboratório direcionou a linha de pesquisa para esse vírus, cujo genoma tem 80% de semelhança com o SARS-CoV-2.
Oxford
Já a Universidade de Oxford, no Reino Unido, já tinha à disposição uma plataforma vacinal que pode ser adaptada em um curto espaço de tempo para novos vírus, chamada ChAdOx (abreviação de chimpanzé adenovírus Oxford).
Como o próprio nome diz, o veículo é um adenovírus de chimpanzés. Este é um tipo de vírus inofensivo e enfraquecido que geralmente causa resfriado comum nos primatas.
“As equipes já haviam usado a tecnologia de vacina ChAdOx1 para produzir vacinas candidatas contra vários patógenos, incluindo gripe, zika e síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), outro coronavírus. Eles já haviam começado a trabalhar na preparação para uma pandemia com a tecnologia por trás do ChAdOx, em preparação para ‘Doença X’. Quando a doença surgiu na China, eles se moveram rapidamente”, explica a Universidade de Oxford.
Os cientistas, então, acoplaram a esse adenovírus partes do novo coronavírus que julgavam ser interessantes para produzir uma resposta imunológica satisfatória.
BioNTech/Pfizer
A alemã BioNTech já trabalha há mais de uma década com a tecnologia de RNAm (ácido ribonucleico mensageiro) para o tratamento de câncer, por meio de imunoterapia.
Desde 2018, tem parceria com gigante norte-americana Pfizer para o desenvolvimento de vacinas da gripe também baseadas em RNAm.
Quando surgiu a covid-19, a empresa fechou um acordo com a chinesa Fosun Pharmaceutical para a criação de uma vacina naquele país.
Posteriormente, a Pfizer também entrou no negócio, mas para produzir e distribuir a vacina nos resto do mundo.
Tudo isso só é possível graças a ferramentas que não existiam há 20 anos para o desenvolvimento de vacinas — a engenharia genética é uma delas.
A capacidade de sequenciar genomas e manipular nanopartículas deve revolucionar ainda mais as imunizações daqui para a frente, e a estreia dessa nova era será com as vacinas contra a covid-19.
Fonte: R7