Tentativa de extorsão. Hildo Rocha, vice-presidente da CPI do Carf (à esquerda): ele diz que um empresário recebeu pedido de propina para não ser convocado pela CPI - Ailton de Freitas/9-3-2016
Tentativa de extorsão. Hildo Rocha, vice-presidente da CPI do Carf (à esquerda): ele diz que um empresário recebeu pedido de propina para não ser convocado pela CPI – Ailton de Freitas/9-3-2016

Parlamentar teria exigido dinheiro para não convocar executivo a depor.

BRASÍLIA — Instalada para apurar a corrupção em julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão vinculado à Receita Federal, a CPI do Carf, na Câmara dos Deputados, é alvo de uma acusação de extorsão. O primeiro vice-presidente da CPI, deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), afirmou ao GLOBO que um empresário contou a ele ter sido procurado por parlamentar que, em troca de pagamento de propina, prometia evitar sua convocação pela comissão. Segundo Rocha, o empresário não quer ter o nome revelado, com medo de represálias.

— O empresário disse que estava sendo chantageado por um deputado. Eu pedi que ele, junto comigo, fizesse a denúncia, e perguntei se eu poderia mencionar o nome dele e o do deputado. Ele disse que não — relatou Rocha.

O vice-presidente da CPI explicou por que não apresentou formalmente a denúncia:

— Porque a pessoa que me disse que estava sendo achacada não quis que eu dissesse o nome dela. Se ele permitisse que eu dissesse o nome, eu teria de dizer quem é a pessoa e quem é o deputado. Ela ficou é com medo. Ela está com medo!

CONVOCAÇÃO DE JOSEPH SAFRA

Numa intervenção na reunião da CPI em 5 de maio, Hildo Rocha tocou no tema. Ele lembrou que o Ministério Público Federal denunciou parlamentares por terem achacado investigados em outra CPI, a que investigou os desvios da Petrobras. E questionou o plenário sobre a convocação do banqueiro Joseph Safra, feita duas semanas antes. Safra foi denunciado à Justiça Federal por envolvimento em manipulação de julgamentos no Carf, investigada pela Operação Zelotes, da Polícia Federal. Rocha defendera que fossem convocados apenas os executivos do Safra.

— O que eu estranho é: por que chamar o segundo homem mais rico do Brasil? Será que está sendo construída aqui uma tramoia para tirar dinheiro desse cidadão? — disse Rocha. — Chego a desconfiar — e não sou só eu, mas vários membros daqui — que possa estar sendo chamado o senhor Joseph Safra para que seja chantageado.

Na mesma sessão, Rocha citou o nome do deputado Altineu Côrtes (PMDB-RJ), mas sem vinculá-lo à atuação na CPI do Carf.

— Chegou-me a notícia de que o Ministério Público denunciou Eduardo Cunha e Altineu Côrtes por ter achacado, lá atrás, alguns membros de CPI para não virem depor. E eu não quero que aconteça isso nesta CPI, porque não estou aqui para ser vendido.

Duas semanas antes, o plenário aprovara a convocação de Safra, feita por Altineu. Naquela sessão, o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) questionou a convocação de um acionista que não é presidente ou conselheiro do banco. Apenas Aleluia e Hildo Rocha votaram contra o requerimento. Os demais integrantes concordaram com a convocação. Altineu e aliados de Cunha são investigados pelo MPF por suposta tentativa de achacar o grupo Schahin na CPI da Petrobras.

Ao GLOBO, Altineu disse que é inimigo político de Cunha, que pediu para ser ouvido pelo MPF e que a maioria das pessoas convocadas por ele na CPI da Petrobras foi indiciada. E reclamou das suspeitas sobre a convocação de réus da Zelotes.

— A gente faz um requerimento dos indivíduos que são réus e alguém vem e fala em algum tipo de extorsão. Como assim? Isso é um absurdo. No dia que o deputado Hildo fez um comentário sobre este assunto, eu radicalmente respondi e ele me pediu desculpa — disse o deputado.

Altineu destacou um problema oposto: manobras políticas para defender os empresários.

— Não se pode fazer um requerimento sobre o Safra porque ele é muito rico? O que é isso?

Após a aprovação da convocação de Safra, o plenário da CPI não levou à votação vários requerimentos. Semana passada, quando Hildo Rocha estava temporariamente na presidência da CPI, foi feito um acordo para tirar de pauta dois requerimentos em que não havia concordância para votação. Eram sobre a convocação de representantes da Gerdau e do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. A CPI aprovou, no entanto, requerimentos para convocar outras 55 pessoas.

BAIXO QUORUM NA CPI

Na última segunda-feira, a sessão durou apenas um minuto e 20 segundos e acabou por falta de quorum. Na terça-feira, um bate-boca entre parlamentares dominou a sessão, encerrada por baixo quorum. Hildo Rocha disse que até convocações já aprovadas correm o risco de não serem feitas, porque o prazo da comissão está prestes a acabar:

— Até agora, o presidente (interino da Câmara), Waldir Maranhão, não prorrogou o prazo. E ele está meio que criando obstáculo. Não adianta convocar, se for encerrada a CPI. Como foram convocadas várias pessoas importantes para desvendar o enigma do Carf, penso que haja forças trabalhando no sentido de Maranhão não prorrogar por mais dois meses.

O Bradesco informou que “jamais foi procurado” por parlamentares sobre requerimentos da CPI. A Gerdau também negou contato de deputados com esse objetivo. Reiterou que já prestou esclarecimentos na Zelotes e que sempre contratou escritórios de advocacia externos para assessoramento de natureza técnica nos processos no Carf. “Os contratos com esses escritórios externos, como outros que a Gerdau possui com prestadores de serviço, foram firmados com cláusula que determina absoluto respeito à legalidade, cujo descumprimento acarreta na imediata rescisão”, disse a Gerdau, que garante que nenhuma importância foi paga ou repassada aos escritórios externos.

MEMÓRIA: CPI COMO MOEDA DE NEGOCIAÇÃO

O uso de CPIs como moeda para negociações levou o ex-senador Gim Argello à prisão. O ex-parlamentar foi preso em abril deste ano pela Polícia Federal, em Brasília, na 28ª fase da Operação Lava-Jato, batizada Vitória de Pirro. De acordo com as investigações, Argello foi detido porque cobrou pelo menos R$ 5 milhões da construtora UTC e R$ 350 mil da OAS para que executivos das empreiteiras não fossem convocados a depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista da Petrobras na Câmara dos Deputados e na CPI da Petrobras no Senado.

O esquema de Argello foi confirmado pelo ex-diretor financeiro da UTC Walmir Pinheiro Santana, em delação premiada. Segundo o delator, o ex-senador negociou em 2014 o pagamento de propina com o dono da empresa, Ricardo Pessoa. O ex-parlamentar atuaria para evitar que o empreiteiro não fosse convocado para prestar depoimento. Em troca, Pessoa faria doações eleitorais no total de R$ 5 milhões a pessoas indicadas por Argello.

Ainda de acordo com o delator, o empreiteiro cumpriu sua parte e desembolsou os R$ 5 milhões. Teriam sido pagos R$ 1,7 milhão ao DEM; R$ 1 milhão ao PR; R$ 1,15 milhão ao PMN; e R$ 1,15 milhão ao PRTB. No depoimento, Santana diz que “existiam afirmações de que Pessoa seria chamado para prestar depoimento” à comissão. O dono da UTC procurou integrantes da CPI e chegou a Argello, que teria influência sobre Vital do Rêgo, que presidia a CPI.

Já em 2005, o então deputado federal André Luiz (PMDB-RJ), já morto, teve o mandato cassado por quebra de decoro ao exigir propina do empresário de loterias Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, para livrá-lo do relatório final da CPI da Loterj na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O escândalo estourou em 2004 quando foi revelada a existência de fitas em que André Luiz teria tentado extorquir R$ 4 milhões de Carlinhos Cachoeira, para retirar o seu nome do relatório. As conversas foram gravadas por emissários do empresário de loterias.

Fonte: OGlobo