A MAIORIA DOS AUTORES

 

Vitor de Athayde Couto

 

“Segundo a maioria dos autores”… – a maioria dos autores não quer dizer absolutamente nada, mas, não se sabe por que, todo mundo escreve assim, mesmo sem nunca ter lido sequer a minoria dos autores. Ou, então, “segundo as últimas estatísticas” (isso também não significa nada), Parnasia detém a maior densidade mitográfica do Brasil.

 

Pra que servem expressões como “segundo alguns autores”, “de acordo com as estatísticas”, ou “de acordo com as últimas pesquisas”, se não se identificam autores, obras publicadas, metodologia, se os dados são oficiais e confiáveis, onde foram divulgados etc.? Pra que serve estar no mundo do “eu acho que”, “eu tenho uma teoria” etc., se o leitor nunca vai poder localizar nada? Está claro que esse bolodório todo só tem uma utilidade: enganar. E ainda se diz que é científico haha.

 

E a tal densidade mitográfica? Diabéisso? Pura invenção, mas… com um pouco de malandragem, pode-se dizer que se trata de um “conceito científico, estatisticamente mensurável”. Não fica bonitinho assim? Engana bem, assó: construindo-se o conceito em percentuais simples, trata-se da relação (divisão) entre o número de mentirosos (numerador) e a população total da cidade (denominador), em determinado ano e local. Finalmente, multiplica-se o quociente por 100, desprezando-se o resto, deixando uma ou duas casas decimais, a gosto, como nas receitas de bolo. A depender da conveniência e do grau de malandragem do “pesquisador”, pode-se considerar tanto a população total quanto a população adulta – a partir da idade de 14 anos, por exemplo. No caso de o pesquisador-malandro optar pela população total, ele está considerando que “algumas crianças” já nascem mentindo – o que não deixa de não ser muito pouco improvável hoje em dia, com certeza. Vixe, agora foi queu não entendi nada haha. Mas não termina aí. Aliás, isso não termina nunca, enquanto tiver financiamento… Resta fazer comparações, rodar um modelo estocástico sofisticado, produzir um “artigo científico”, apresentar num evento igualmente idem, e… tcharããã!, anotar no curriculum vitae.

 

Parnasia ganhou, de para-quedas, vários apelidos. Isso aconteceu durante as campanhas eleitorais, quando um murundu de candidatos a prefeito e vereador disputavam pra ver qual para-quedas chegaria primeiro ao solo. Como dois chegaram ao mesmo tempo, até hoje se discute a seguinte e importante questão: Parnasia deve ser o portal da Chapadinha do Bacuri (hoje em dia, toda cidade quer ser portal de alguma coisa) ou portal dos Tabuleiros do Canapum? Em meio ao conflito, um grupo expressivo de vates parnasianos propôs uma terceira via, bem de cima do muro:

 

– Parnasia deve se chamar “Portal da Rota das Ilusões”. Não é bonitinho?

 

Mas, qualquer que seja o apelido, tanto faz, porque, como toda cidade do interior, Parnasia também tem seu mentiroso favorito, bastante conhecido de todos. Não lembro o nome dele, mas isso tampouco importa. Quem vai acreditar que o nome do mentiroso é de verdade? De novo, o paradoxo de Pinóquio entra em ação.

 

Mentiroso inventa o nome que quer, a começar pelo próprio-nome-próprio. Fico imaginando quanta mocinha por aí tem vergonha do seu próprio-nome-próprio. Daí, muitos pais otários e os notários inventam ortografias bem esquisitas para nomes de batismo, desses inspirados em séries americanas, biguibróderis, e novelas mexicanas. Pâmela (que o velho computador do cartório logo corrige para Panela, grr, que raiva!), Jenifer (ou Jennifer, ou Jenniffer, ou Jenyffer), Adriele (ou Adryelle, ou Adriely, ou…), Samantha… aff, daí a pouco as pobres meninas têm que arranjar outro nome, para não serem confundidas com travestis. Êlas (ou el@s, ou elxs…) adoram! Tudo começou com Priscila ou Priscilla, ou Pryscila, ou Pryscylla… Agora, chega, porque…

 

Mentir não é pecado. Pecado é acreditar naquilo que o mentiroso diz, por ser mais cômodo. Incômodo é não acreditar, e ter que estudar, localizar e consultar documentos comprobatórios, verificar se as informações procedem etc. Mesmo assim, preciso achar um nome para o meu “mentiroso favorito”. Por exemplo… Galerão! Que tal? Então, fica combinado assim: toda cidade do interior tem o seu Galerão. Parnasia, também. Galerão, que vem de galalão, mais tarde desnasalizado para galalau. Significa homem grande, gigante. E o leitor já sabe que o nosso Galerão parnasiano só pode ser pequeno, baixinho, quase um anão. Explico, com outra história dentro da história.

 

(próxima crônica: “O MENTIROSO DE PARNASIA”)

NOTÍCIA

 

O livro Contos de Parnasia será lançado em Salvador.

QUANDO: Dia 15/12/2021, quarta-feira, das 17 às 20 horas.

ONDE: Lojinha Gourmet, rua Benevento n.358, Pituba. Site.

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: