SEMANÁRIO JURÍDICO – EDIÇÃO DE 06.11.2020.

JOSINO RIBEIRO NETO

 

O PODER JUDICIÁRIO E O PRINCÍPIO DO CONTROLE JURISDICIONAL.

 

A Constituição Federal, no art. 5º, XXXV, determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, restando inserto na norma o PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL  ou PRINCÍPIO DO CONTROLE JURISDICIONAL.

 

Um exemplo concreto acerca da aplicação do referido princípio diz respeito a exigência que constava da legislação tributária infraconstitucional, que exigia do devedor de tributos, para que pudesse se defender no processo de cobrança, depósito prévio do valor devido.

 

O Supremo Tribunal Federal, através da SÚMULA VINCULANTE Nº 28, considerando a determinação contida no art. 5º, XXXV, da CF, considerou inconstitucional a exigência.

 

STF – SÚMULA VINCULANTE Nº 28. É inconstitucional o depósito prévio como requisito de admissibilidade da ação judicial na qual se pretende discutir e exigibilidade de crédito tributário.

 

Em suma, o que se pode garantir, com o escudo da regra constitucional, é que a defesa de qualquer cidadão quando ameaçada ou lesionado no seu direito é soberana, não podendo ser tolhida por nenhum obstáculo. 

 

CIVIL E ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO.

 

É cada vez mais recorrente pessoa da comunidade ser atingida por “bala perdida”, resultante de disparos de armas de fogo da polícia em confronto com quadrilhas, notadamente,  nas periferias de grandes centros populacionais.

 

Em situação que tal os parentes da vítima, sucessores na forma da legislação vigente, podem reclamar indenização do Estado, inclusive pensionamento se for o caso, independente de comprovação de culpa de agentes policiais, haja vista a responsabilidade objetiva do Estado, conforme consta do art. 37,§ 6º , da Constituição Federal:

 

Art. 37 . A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direitos privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 

A norma não deixa nenhuma dúvida acerca da responsabilidade objetiva da Administração Pública, independentemente de comprovação de culpa ou dolo, pois a excludente de ilicitude penal, isto é, a absolvição de seus agentes, não tem o condão de isentar  o Estado da responsabilidade.

 

Considerando a atualidade da matéria, resultante de fatos que estão acontecendo com frequência, a coluna pesquisou na jurisprudência, composta por seguidas decisões dos Tribunais Superiores (STJ e STF), que transcreve algumas delas, à guisa de exemplificação.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.266.517 – PR, DJe 04.12.2021 – SEGUNDA TURMA –  REL. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES.

 

EMENTA. CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DISPAROS DE ARMA DE FOGO PROVOCADOS POR POLICIAIS MILITARES. LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA RECONHECIDA NA ESFERA PENAL. FALECIMENTO DA VÍTIMA . DANOS MORAIS SUPORTADOS PELO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO PELOS DANOS CIVIS.

 

1.     Segundo orientação jurisprudencial do STJ, a Administração Pública pode ser condenada ao pagamento de indenização pelos danos civis causados por uma ação de seus agentes, mesmo que consequentes de causa excludente de ilicitude penal: REsp.  884.198/RO, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 23.4.2007; REsp. 111.843/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 9.6.1997.

 

2.     Logo, apesar da não responsabilização penal dos agentes públicos envolvidos no evento danoso, deve-se concluir pela manutenção do acórdão de origem, já que eventual causa de justificação (legítima defesa) reconhecida em âmbito penal não é capaz de excluir responsabilidade civil do Estado pelos danos provocados indevidamente a ora recorrida”.

 

Em sede de  comentário ao julgamento do recurso referenciado, segue a transcrição de justificativa de voto do relator: “Na hipótese dos autos, a recorrida propôs ação ordinária visando à condenação do Estado do Paraná ao pagamento de indenização por danos morais causados pela morte de seu marido que foi baleado por policiais militares. O Tribunal a quo confirmou a condenação imposta pela sentença após ter asseverado que a conduta dos policiais, embora ocorrida após disparos proferidos pela vítima que estava dentro de sua casa, foi além do necessário para repelir a resistência da vítima.”

 

RECURSO ESPECIAL 884.198/RO. 2ª TURMA. Rel. MInistro HUMBERTO MARTINS. DJ 23.04.2007.

 

EMENTA – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA OBJETVA. AÇÃO PRATICADA POR POLICIAL RODOVIÁRIO, NA PRESUMIDA DEFESA DE TERCEIRO RESULTANTE DE MORTE DE TERCEIRO ESTRANHO AO EVENTO.

 

1.     SE O AGENTE PÚBLICO , NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES, PRATICA DANO A TERCEIRO NÃO PROVOCADOR DO EVENTO, HÁ DO ESTADO SER RESPONZABILIZADO PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS, EM FACE DOS PRINCÍPIOS REGEDORES DA TEORIA OBJETIVA.

 

2.     O ART. 107, DA CF DE 1969, EM VIGOR NA ÉPOCA DOS FATOS, HOJE REPRODUZIDO COM REDAÇÃO APERFEIÇOADA PELO ART. 37,  § 6º DA CF DE 1988, ADOTOU A TEORIA OBJETIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, SOB A MODALIDADE DO RISCO ADMNISTRATIVO TEMPERADO.

 

3.     A ABSOLVIÇÃO DE POLICIAL RODOVIÁRIO, NO JUÍZO CRIMINAL, EM DECORRÊNCIA DA MORTE CAUSADA PPOR OCOASIÃO DE AÇÃO PRATICADA EM LEGITIMA DEFESA DE TERCEIRO,  NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, SE NÃO PROVAR QUE O ACIDENTE OCORREU POR CULPA DA VÍTIMA.

 

4.     PASSAGEIRO ATINGIDO POR DISPARO DE ARMA DE FOGO EM DECORRÊNCIA DE AÇÃO POLICIAL CONTRA MOTORISTA DE VEICULO.

 

5.     INDEPENDÊNCIA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM CONFRONTO COM A CRIMINAL, SALVO QUANDO NO JUÍZO PENAL SE RECONHECE , VIA DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, AUSÊNCIA DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE DO DELITO.

 

6.     A ABSOLVIÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL NÃO IMPEDE A PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL, QUANDO PESSOA QUE NÃO CONCORREU PARA O EVENTO SOBRE DANO, NÃO TIVER CULPA.

 

7.     INDENIZAÇÃO FIXADA DE ACORDO COM AS REGRAS DO ART. 1.537, DO CÓDIGO CIVIL, CONSIDERANDO-SE OS GANHOS MÉDIOS DA VÍTIMA REDUZIDOS DE UM TERÇO.

 

8.     INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CUMULADA COM A RELATIVA AOS DANOS MATERIAIS. POSSIBILIDADE.

 

9.     RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

 

Então, como demonstrado na legislação constitucional, infraconstitucional, na doutrina e na jurisprudência, prevalece a teoria objetiva e a Administração Publica para responder civilmente pelos danos causados por seus agentes, ainda que estes estejam amparados por causa excludente de ilicitude penal.

 

Concluindo, segue a transcrição da EMENTA do Acórdão referente ao julgamento do REsp. 1266517/PR, DJe 10.12.2012:

 

“É objetiva a responsabilidade civil do Estado pelas lesões sofridas por vítima baleada em razão de tiroteio ocorrido entre policiais e assaltantes”.