A NOITE EM QUE O ÁLCOOL ABRIU O BALAIO

 

Vitor de Athayde Couto

 

– Como se não bastassem alguns leitores e leitoras a me confundir com meus próprios personagens…

– Verdade?

– Pura, mano. Fui obrigado a me comunicar através de personagens femininos pra ver se distraía a atenção…

– Verdade.

– Mas não adiantou.

– E prumóde?

– Tu num vai acreditar.

– Vou, vou, vou! Sim, conte, conte, conte!

– Pois é, mano. Agora é a minha mulher (esposa, em parnasianês).

– Que que aconteceu?

– Tu num vai acreditar.

– Vou, vou, vou! Sim, conte, conte, conte!

– Calma, toma um ar! Respira, rapá! Tu tá repetindo muito. Tem leitor que não gosta dessas repetições.

– E prumóde?

– Sei lá. Questão de método, de estilo…

– Haha, entendi. É como se o mundo todo fosse uma sala de aula no curso de redação pro Enem. Mas é nem. O mundo é isso aí. As pessoas falam do jeito que falam, né?

– Já tentaram até corrigir a fala de uma personagem…

– Uma?

– Sim. Acho personagem uma palavra ótima. Serve pra todas as opções, como agora, estou tratando personagem no feminino…

– E prumóde? Só porque tu quer?

– Sim, só porque eu quero. Tenho direito de escolher o tratamento dxs personagens, até de mim mesmx haha.

– Eita, quanto xis!

– Pois é. Esse xis pronuncia-se “e”. A vida é cheia de incógnitas, visse?

– Verdade.

– Pois é. Agora é a minha mulher que resolver zoar.

– Haha.

– Num ri não, rapá, a coisa é séria! Sabe aquela personagem Anaís? Agora ela quer saber quem é essa tal de Anáis – ela só pronuncia Anáis.

– Eita.

– Pois é. Ela exige explicações. Quer saber onde eu conheci essa tal de Anáis, quantas vezes eu saí com ela e por aí vai. Não adiantou nada eu explicar que criei a personagem só porque acho esse nome bonito…

– E onde tu achou esse nome de rapariga? – ela perguntou.

– Quando eu disse que foi num perfume… aí ela surtou de vez. Quer saber pra quem eu comprei o perfume e por aí vai. Resultado: ela fechou o balaio.

– Pô, aí já é sacanagem.

– Antes fosse, mano. Mas é o contrário. É falta de sacanagem. Cheguei até a pensar em pedir ajuda às universitárias.

– E por que logo às universitárias? Num é mais difícil?

– Era, mano. Já foi o tempo. Antigamente os anúncios de encontros sempre ofereciam minas “universitárias” entre aspas. Mas hoje, se tu reparar bem, tem tanta faculdade aí pelas esquinas que é quase impossível achar uma mina que não seja universitária. Na pior das hipóteses, tu acha uma facultária. Mas é tudo de nível superior. Tem até pós e pós-pós. Ninguém aguenta mais. Se a mina é de medicina, passa a festa toda explicando como se faz uma cirurgia de fígado, em vez de prestar atenção na pisadinha. Se é de fisioterapia, só fala de sexo ergonômico e reclama das minhas posições. Se é de filosofia, diz que eu não existo no mundo real, que eu sou apenas uma ideia que ela faz de mim. Tu faz ideia, mano?

– Eu? Eu não, mano. Minclua fora, talkey? Só me diz o que quer dizer fechar o balaio.

– Fechar o balaio? Haha. É deixar a ppk no stand by, no modo de espera, na moita até a próxima dêérre.

-Tipo cinto de castidade?

– Sim, tipo isso, embora as esposas não sejam castas, pelo menos não deviam ser. É igual a couro cabeludo. Por mais que o cara seja careca, sem um fiozim de cabelo, o couro da cabeça continua sendo chamado de couro cabeludo.

– Haha, é verdade. Eita, preciso ir. A gente se vê pra semana. Fui.

Uma semana depois…

– Iaí, mano? Cuméquifoi?

– Tudo resolvido.

– A comadre abriu o balaio?

– Nem te conto. O álcool foi a minha salvação.

– Álcool em gel?

– Não, gel íntimo não tem álcool, tá doido? Arde muito. Tou falando das doses que a esposa tomou.

– As vacinas?

– Não, rapá. Álcool. Álcool de cervejão. Comprei um litrão estupidamente. Bebeu tudinho, foi só a conta.

– Iaí? Ela abriu o balaio?

– Na hora. Álcool é muito bom. Usado com moderação, resolve todos os problemas. Protege a gente da covid, alivia dor de picada de marimbondo, acende a churrasqueira, limpa vidros… e abre balaios! Muito mais barato do que terapia de casal.

– Bacana, mano. Não fosse o cervejão, tu ia ter que esperar até o Domingo de Páscoa – data oficial da abertura dos balaios. Evohé!

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: