A NOVA ROTA DA CARNE SECA 2.0
Vitor de Athayde Couto
SWIFT 1 – A ROTA
– Sabias? A rota está na moda.
– Arrota? – perguntou Loréu, o eterno bêbado.
– Não, Loréu. A rota. Eu disse: a-rota! Te liga no vício do ofício.
– Que ofício?
– A arte de mentir – o ofício do mentiroso.
– Ora, ora, ora… A-rota, haha. Mas, de que rota estás a falar? Das emoções?
– Não, Loréu. A rota das emoções já cumpriu seu papel nas eleições passadas. Para as próximas, a moda agora é a nova rota da carne seca 2.0. E não me surpreendo se botarem um porto no meio.
– Um porto? Que porto? Será aquele? Outra vez? Não me digas!
– Sim, Loréu. Outra vez, e outra, e mais outra, e sempre. É uma longa história, secular. Repara bem. A decadência da economia americana despertou a curiosidade e a imaginação de muita gente que acredita ser possível fazer a quarta revolução industrial por decreto. E já botaram até apelidos bem bonitinhos. Por exemplo: Revolução Industrial 4.0, que significa qualquer coisa, inclusive nada – como se diz no Nordeste.
– Por quê? – quis saber Loréu.
– Simplesmente porque não se pode apelidar nenhuma “revolução” industrial-tecnológica antes que ela aconteça e se torne dominante no mercado mundial. E tem mais, escuta, vou ler aqui:
Como se não bastasse a sua dependência estrutural de petróleo do mundo inteiro, os EUA estão se desindustrializando, enquanto a Eurásia avança rapidamente. Resta aos americanos apenas o quase monopólio dos meios de pagamentos e transferências, com base no dólar e no sistema Swift.
– Swift? É alguma marca de salsicha?
SWIFT 2 – A DESDOLARIZAÇÃO
– No caso, não, Loréu. Swift não é só marca de salsicha. SWIFT também é uma sigla inglesa da Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication. Ela representava, até a década passada, o sistema monopolizador, dominante e quase exclusivo das trocas de informações bancárias e transferências entre as instituições financeiras de todo o planeta.
– Representava? E agora não representa mais? – insiste Loréu.
– Não, Loréu. Quero dizer, mais ou menos. Hoje ela não representa mais, assim… sozinha… como era antes.
– E por que não?
– Infelizmente não temos espaço para explicar. Mas posso te adiantar que é o serviço mais caro e lucrativo do mundo. Melhor do que roubar petróleo da Síria, invadida e ocupada militarmente. Acontece que alguns países não querem mais ser roubados e se reuniram em grupo para criar seus próprios sistemas, digamos, financeiros. Outros preferem negociar, bilateralmente, pagando com moeda nacional, ou através de bancos regionais criados por eles mesmos.
– Ah, então é isso que é a des… do… desdolarização?
– Isso mesmo, Loréu. Como vês, a verdade está na cachaça.
– Oficórse, máirrórse. Sou bêbado, mas não sou burro não, hahaha.
SWIFT 3 – A NOVA ROTA DA CARNE SECA 2.0
– Então, professor, me explica direito esse negócio de des… desdolarização.
– Seguinte, repara. A indústria americana já não é tão competitiva no mercado global. Como em tecnologia nada se cria e tudo se copia, os chineses já estão lá na frente. Daí, só restava o SWIFT aos americanos…
– Restava?
– Sim, repara. Acontece que os países do chamado sul global estão criando os seus próprios sistemas, e rapidamente começaram a abandonar o SWIFT. Digo rapidamente, porque a transição dos dois impérios capitalistas, da libra ao dólar, demorou seis décadas. Hoje em dia, a internet, além de ser muito rápida, torna possível a criação de moedas virtuais independentes…
– Tu tá dizendo que, depois da “deslibração”, chegou a vez da desdolarização?
– Isso mesmo, Loréu. O tempo já provou que os impérios caem, pois se até os anjos caem do céu…
– De que são feitos os anjos? Do barro do chão? Da costela de alguém?
– Não, Loréu. Os anjos são feitos do nada, assim como as moedas virtuais.
– O que é o nada? Qual é a moeda da vez?
– Não é mais assim que funciona, Loréu. O nada é o não-ser. No mundo multipolar não é mais admissível a existência de uma única moeda hegemônica. Desta vez serão várias moedas, inclusive todas… e até trocas! Com a economia americana desindustrializada, a SWAT, ops!, haha, a SWIFT se enfraqueceu desde o momento em que o chamado ocidente começou a aplicar sanções contra a Rússia. O congelamento, e, em alguns casos, o sequestro dos ativos dos oligarcas russos no exterior minou a confiança do velho sistema financeiro. A SWIFT já tem concorrentes à altura. Os aloprados que mandam no governo Biden querem guerras eternas. É o seu último recurso, pois a batallha econômica já está perdida.
– E as guerras resolvem a crise capitalista?
– Sim, mas só parcialmente.
– Como assim?
– Primeiro, porque dinamizam a venda de armas, desovam os estoques e reabilitam o Complexo Industrial Militar ocidental. Segundo, porque, sem competitividade, os americanos só têm uma saída: bloquear o tráfego de navios e contêineres eurasiáticos, no oceano Pacífico, e usar o que resta das suas unhas e dentes para destruir oleodutos e gasodutos não ocidentais.
– Eita, vai ser briga de cachorro grande!
– Talvez não, Loréu. Embora os chineses estejam se armando como nunca, a sua principal arma não é militar.
– Qual é, então?
– O tempo e a economia competitiva. O que é uma década para um povo trabalhador que vem sendo humilhado há 500 anos?
– Então, me diz, como se dá a desdolarização?
– Primeiro, pela perda de confiança, agravada pelo terrorismo financeiro que sequestrou os ativos russos no mercado. Segundo, porque a inflação americana já não reage às velhas receitas monetaristas neoliberais. Aumenta a desconfiança dos maiores compradores de títulos da dívida (quem diria, os treasuries já foram os papéis mais seguros do mercado). O Wall Street Journal informa que a Reserva Federal (FED, pronuncia-se fede, do verbo feder) está perdendo 60 bilhões de dólares por mês. Isso se deve ao recuo de grandes investidores como China e Japão. Os EUA devem atualmente 31,4 trilhões de dólares, que equivalem a 17 PIB brasileiros. Terceiro, porque, para financiar as guerras eternas de neonazistas ucranianos, sionistas e petromonarquistas aliados, o governo americano é obrigado a emitir bilhões de dólares.
– Então, misplica quidiabé Nova Rota da Carne Seca 2.0?
– Sei lá, deve ser alguma versão tropicalista neocaipira da Nova Rota da Seda, pra concorrer com os chineses, ou então é só coisa do reinado da Lua, lá onde mora o dragão. Nos últimos anos, a rota chinesa foi ampliada de 44 para 105 portos de verdade; não são simples terminais, são verdadeiros complexos industriais portuários.
– E a carne seca vai funcionar?
– Talvez, mas tem que botar o porto no projeto…
– Que porto? Aquele? Outra vez? Haha.
– Sim, aquele porto eternamente prometido, lembra? Aquêêêle…!
– Haha, e quem não se lembra? É impossível esquecer. Afinal, já lá se vão quatro gerações de eleitores des-des.
– Eleitores des-des? Diabéisso?
– Os mesmos de sempre: os eleitores desdolarizados e os eleitores desmemoriados.
– Afff… seria trágico se não fosse trágico.
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