A PRIMEIRA MALDIÇÃO

 

Vitor de Athayde Couto

– Houve um tempo em que esta praça era bonita, muito bonita mesmo. Pensem numa praça totalmente cercada de figueiras exuberantes, com raízes tão fortes que arrancavam o piso. As árvores frondosas ofereciam uma sombra que, de tão agradável, convidava os passantes a se sentar nos bancos da praça. Logo aparecia um engraxate para cuidar dos seus sapatos de couro legítimo. Naquele tempo não fazia tanto calor como agora. Graças à sombra das figueiras, a temperatura ambiente caía pelo menos uns dois graus Celsius.

– Que legal, vovó, devia ser muito agradável!

– Sim, Miguel, mas, aqui nesta praça, as coisas boas não duram muito tempo.

– Por quê, vovó?

– Por causa das maldições.

– Que maldições, vovó?

– As nove maldições da praça. A primeira delas foi uma praga de lacerdinhas…

– Lacerdinhas?

– Sim, Margarida, lacerdinhas. Um bando de insetos, quase invisíveis de tão minúsculos, que os maus ventos trouxeram da cidade do Rio de Janeiro para cá. Não satisfeitos, espalharam nuvens de lacerdinhas por todo o país. No Passeio Público da cidade maravilhosa, como também na Cinelândia, havia muitas figueiras. Um certo político chamado Carlos Lacerda mandou fixar milhares de plaquinhas nos ramos dessas árvores, onde se liam seu nome e número como candidato às eleições. Como a praga começou por lá, os cariocas atribuíram o flagelo à presença das placas do candidato. Daí começaram a chamar os insetos de lacerdinhas. Durante as revoadas, os insetos entravam nos olhos dos passantes, provocando um forte e insuportável ardor, igual a pimenta malagueta vermelha. Como se isso não bastasse, todas as atividades da praça foram interrompidas: comércio, engraxates, jogo do bicho, bancas de jornais e revistas, receptação de objetos furtados, carros de aluguel, cafezinho, passeios, artesanato de hippies, mala da cobra, óleo do peixe elétrico, batedores de carteira, ladrões dos belíssimos postes de ferro e outros objetos da praça e das igrejas em volta, aposentados que passam o dia jogando damas e conversa fora, bandas de música, palhaços e mágicos, troca-troca de figurinhas, revistas, acetatos, estampas, drogas, tampinhas de pitos de câmaras de ar, tudo enfim.

– E a segunda maldição, vovó?

– Ah, a segunda maldição…

(Continua na próxima sexta-feira)

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