A SEGUNDA MALDIÇÃO
Vitor de Athayde Couto
– Ah, a segunda maldição… Então, diante da redução do movimento na praça, os comerciantes do lado oeste, foram movidos por uma onda repentina de ódio. Começaram a pressionar pela separação da praça, com apoio dos vereadores que adoram brincar de separar, duplicando, nomes de ruas, praças e bairros, a fim de bajular os políticos, ou seja, eles mesmos. Essas ruas com dois nomes acabam confundindo moradores, até motoristas de carros de aluguel, carteiros e entregadores. Na Hermópolis atual tem bairro com até três CEP!
– Mas isso não deixa de ser pioneirismo, vovó, nossa cidade sempre foi pioneira em tudo, haha. Se a moda pega…
– Haha, é verdade, Estefânia. Mas como o povo gosta dessas brincadeiras, vamos continuar nossa história e deixar o povo ser feliz. E, se o povo continuar gostando, a gente não pode fazer nada, né? Então, a terceira maldição…
– Terceira, não, vovó, segunda! – prosseguiu Margarida, sempre atenta às histórias de Vó Branquinha. – Ainda não sabemos o resultado da segunda.
– Então, onde paramos? Deixem-me ver… Ah, sim, os vereadores! Pra separar a praça em duas, os vereadores impuseram uma condição. Somente eles poderiam escolher o nome da nova praça do lado oeste. Dito e feito, deram à pracinha recém-criada um nome desconhecido do povo, provavelmente nome de algum político de quem ninguém nunca ouviu falar. Como sempre acontece nessas ocasiões, o povo criou o seu próprio nome ou apelido, e passou a chamar a nova praça de “pracinha do abrigo”. Dizem os filósofos que, tudo que é neo, ou seja, novo, é sempre pior do que o velho, como neocolonialismo, neocapitalismo, neogótico, neoclassicismo, neoindustrialismo…
– E a maldição, vovó?
– Pois, é, a maldição é que, na separação da praça, a prefeitura demoliu uma laje histórica do abrigo onde havia um posto de gasolina. O posto servia aos motoristas dos carros de aluguel. Eram automóveis belíssimos e luxuosos, como os Packards, Buicks, Mercuries, Fords, Oldsmobiles… que lembravam a cidade de Havana atual. Esses automóveis desapareceram dali para sempre. Não posso negar, isso me dá uma nostalgia e profunda tristeza. Quando eu era menina, vi o Luiz Gonzaga cantar, de cima da laje do abrigo que não existe mais. Agora, antes de passarmos para a terceira maldição, vamos descascar as laranjas que trouxemos para a nossa merenda, cada um descasca a sua.
Ao verem as laranjas, alguns passantes, aparentemente drogados, pediam “um lanche”, dizendo estar com fome, mas já queriam as laranjas descascadas. Cada neto descascou duas, ficou com uma e deu a outra laranja para o pedinte mais próximo. Vovó continuou. Desta vez, sim, ela contou o que aconteceu quando a terceira maldição recaiu sobre a praça.
(Continua na próxima sexta-feira)
________________________________________________________________
Ouça o áudio com a narração do autor:
***
Caro leitor, tu também poderás ouvir este e outros textos, assistindo aos vídeos no canal YouTube do autor. Basta clicares aqui.