Ninguém até hoje foi besta de me impedir num domingo que seja de ir ao mercado. Faço isso desde que me entendo por menino quando acompanhava meu pai nas compras de casa. Digo sem medo de errar que é uma experiência das mais ricas. Ali se vê gente. Ali a gente encontra os amigos, parentes, conhecidos e com um pouquinho de boa vontade nos descobrimos mais humanos, humildes.
É na feira que nos conhecemos melhor e descobrimos até onde pode chegar nossa origem, nosso senso de justiça, economia, solidariedade. E na feira também é pra onde vão alguns candidatos em época de eleição. Vão pra onde nunca antes foram e agora se fazendo de humildes e populares. Aqui abraçam um vendedor de carne ou de frutas. Mais lá na frente comem de graça uma banana ou uma manga na banca de outro. E por aí vão até ganharem as eleições e se esquecerem da empreitada.
E certo dia eu estava na feira e fiquei observando os vendedores de galinhas. Galinhas de todas as variedades. Umas pequenas, outras já franguinhas de primeira pena e outras mais na frente ainda maiores e com os pés cascorentos. Todas peadas com embiras naquele terror de sol e quase sendo pisoteadas pelos fregueses. Chega um aqui, levanta uma pelos pés e pergunta preço. Acha caro, regateia. Depois acaba levando. E a galinha olha triste pro novo dono sabendo que o destino mais tarde é a faca afiada da dona da casa no pescoço e a panela de água quente.
Eu fiquei observando aquela arrumação toda. Uma galinha já velha, poedeira ao que parecia, com aquela cara de poucos amigos e de quem liderava o bando no terreiro. Cara de quem foi tirada de cima dos ovos ainda cedo pra vir à feira naquele dia de domingo. Ela passou a dar bicadas na embira. Coisa de muita paciência. O dono delas, besta, distraído na conversa com os outros, nem se deu conta da façanha da peralta. Num esfregar de olho a galinha acabou se soltando.
Ficou livre da embira, mas ficou ali, na dela, esperando uma chance de meter o pé na carreira naquele meio de gente. Daí até o dono reunir todas na roda de novo ela já estava era longe, calculou. Chegou um freguês e pegou justo ela. Como não acertou a compra com o vendedor acabou devolvendo ao chão e ao meio das outras. E foi naquele exato momento, naquele alvoroço todo que a galinha achou de fugir.
Mas eu fiz este arrodeio todo e saí aqui mais na frente pra chegar numa situação meio estranha e que até hoje não entrou nesta minha cabeça de pouco estudo. Ninguém até agora, pelo que sei, conseguiu enfiar na cabeça dura do governo que ele perde dinheiro com esse negócio de colocar tornozeleira eletrônica em presos. Não deu, não dá e nunca vai dar certo esse negócio, meu Alá do céu! Nem aqui na Parnaíba e nem no caixa-pregos!
De vez em quando aqui na Parnaíba a gente fica sabendo que foi preso um elemento que estava com tornozeleira eletrônica. Estava gozando de um regime mais brando, mas na calada da noite e até mesmo de dia estava aprontando de novo. De ladrão de carros a assaltante de bancos. Toda sorte de bandidos e homicidas, traficante de drogas e outras carreiras no, ao que parece, compensador mundo do crime. E toda vez que eu fico sabendo que foi pego um desses presos com aquele trambolho entre o pé e a canela eu me lembro da história da galinha amarrada com embira.