AVES DESCOLORIDAS
Vitor de Athayde Couto
No Queensland, Austrália, abundam graciosos rainbow lorikeets. Sósias de papagaios, os lorikeets ganharam esse nome porque suas cores fortes, distribuídas em faixas, lembram o arco-íris (veja aqui).
O respeito à natureza é uma característica importante da educação do povo australiano. Turistas menos informados não compreendem certos avisos que vão desde o clássico “não dê comida aos animais” até “por favor, não mate nossas formigas, elas são úteis”. Não se lê a palavra “proibido” mas tudo funciona. Plantas e animais são tão respeitados quanto as pessoas. Isso explica a sua abundância e a pequena quantidade de espécies em risco de extinção, ao contrário do Brasil.
Em qualquer parque do Queensland é impossível você comer sossegado, seja um piquenique com amigos e familiares, seja um simples lanche em solitário. Os lorikeets acorrem aos bandos. Se você bobear, eles comem o seu lanche. Além deles, os corvos, cacatuas, gaivotas e outros drones penugentos também atanazam o seu pitéu.
Não tão surpreso (já não me surpreendo com quase nada), acabo de ler uma notícia alertando que as aves do planeta estão se descolorindo. Eu já sabia da descoloração dos corais. Mas aqui se trata dos resultados parciais de uma pesquisa em ecologia evolutiva que vem sendo realizada na universidade Euskal Herriko do País Basco. Os pesquisadores concluem que a mudança climática está descolorindo as aves e causando um impacto negativo nos seus ornamentos (para saber mais, leia aqui).
– E daí? – perguntaria o leitor.
Daí é que, sem ornamentos vistosos e coloridos, os machos não conseguirão mais conquistar fêmeas para acasalar e procriar. A população irá diminuir até a sua completa extinção.
A notícia a que me referi já aponta algumas causas desse problema, tanto do ponto de vista ecológico quanto afetivo. Como o primeiro refere-se a mudança climática e escassez de alimentos, com farta literatura disponível, vou me ater ao ponto de vista afetivo.
Criança sem quintal é séria candidata a frequentar consultórios de médicos, nutricionistas, psicopedagogos, terapeutas em geral, farmácias, e, no desespero, charlatães da fé e tatuadores. O máximo que os profissionais conseguem é mostrar que um caroço de feijão germina sobre o algodão molhado no fundo de um copinho plástico de cafezinho.
Cadê os xexéus? Cadê os chicos pretos, vinvins, sabiás, canários-da-terra, cardeais, sanhaços, corrupiões, bigodes e companhia?
Muitos quintais e calçamentos tradicionais vão sendo impermeabilizados pela cultura do cimento e do asfalto. A ausência de passarinhos, abelhas, lagartos e outros bichinhos é o primeiro sinal da desertificação. Alguns até se adaptam, mas viram pragas transmissoras de doenças urbanas, como os pombos e pardais.
O que explica esse fenômeno? Pobreza? Renda insuficiente para manter a família? Construção de puxadinhos para alugar? Medo de cobra? Pagodes fundo de quintal? Jacuzzis?
O repertório é bem vasto – e tudo leva à eliminação dos insetos, gramíneas sementeiras, árvores frutíferas e genealógicas. Assim as novas gerações vão perdendo a memória, cheiros e sabores, histórias de família e a própria família. Assim as frutas vão sendo substituídas por sucos de caixinha com canudinho plástico. Assim os antigos quintais vão sendo despovoados de passarinhos, cores e cantos – no limite só restará aos poetas a alternativa de deslocar a sua musa, muso e muses para dramas existenciais, mal-te-vis e mal-me-queres. E assim vão preenchendo o tempo ocioso com adeuses à vida.
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Escute o texto com a narração do próprio autor: