BURAJIRU

 

Vitor de Athayde Couto

 

Falar uma língua estrangeira não é fácil. Certas pessoas têm mais dificuldade; outras, menos. Brasileiros, por exemplo, pronunciam vários e diferentes RR (erres), a depender da região de cada um.

Não é raro ver sulistas brasileiros tentando falar, sem sucesso, o R gutural francês. Essa mesma letrinha parece perseguir os asiáticos, quando migram para o ocidente.

Os primeiros japoneses que vieram pra cá, há mais de um século, não falavam a palavra Brasil. Só conseguiam dizer Burajiru. Com o tempo, os pioneiros e seus descendentes nascidos no Brasil foram se adaptando, e hoje dominam a linguagem. Dominam também vários setores de atividades humanas, que vão desde as tecnologias até as artes, entre elas, a oitava arte do desenho em quadrinhos e desenhos animados no cinema. A sua influência é tão grande que os jovens brasileiros acabaram absorvendo a cultura dos mangás e animes. Logo onde? Acredite, no país das novelas!

– No Burajiru?

– Sim, no Brasil, onde as “novelas”, que eram todas-poderosas, deram lugar às “séries”. Abelardo Barbosa, o genial Chacrinha, dizia que “na televisão, nada se cria, tudo se copia”. Alguém duvida?

– Verdade haha!

– Pois é, na Coreia do Sul, as séries viraram doramas.

– Doramas? Diabéisso?

– Sim, doramas. É como os asiáticos pronunciam a palavra “dramas”.

– Eita, agora são os coreanos que não conseguem falar aquela letrinha?

– Parece que sim, mas o problema é que a internet desinforma mais do que informa.

– Como assim?

– Repare, eu estava tentando ler poemas de Baudelaire, enquanto era forçado a ouvir música compulsória, dessas bandas sertanojos, que cobram cachês milionários das prefeituras, mas quem paga somos nós, os contribuintes. Ao pesquisar as+flores+do+mal (Les fleurs du mal, de Baudelaire), deparei-me, na primeira página da busca, com um dorama coreano intitulado “A flor do mal”, que por sinal viralizou. Foi aí que me lembrei do Chacrinha. Ele quase acertou, pois não é só na televisão, é também na literatura, design, tecnologia etc. que tudo se copia.

Há quase dois séculos, Baudelaire previu acertadamente quais seriam as mazelas do espírito humano: a queda; a expulsão do paraíso; o amor; a morte; o tempo; o exílio. A derradeira mazela é o tédio.

Só os ignorantes creem que as inovações existem. Os sábios, por sua vez, nunca temem a morte. Para eles, a vida é só mais do mesmo.

Tudo é tédio. E o resto é barulho.

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