– Mãe, você tem cãs prematuras!
– Não, filha. Aqui em casa nós não cria cãos. Como é que a gente pode ter cachorrinhas nascidas antes do tempo?
– Ora, mãe. Isso é coisa da sua cabeça, mesmo ainda sendo jovem.
– Hã?
– A sua cabeça, mãe. Eu li na Bíblia. A sua cabeça está cheia de cãs.
– Hã? Hã? Isso não é possível.
– Calma, é só o que diz a Bíblia, mãe, relaxe.
– Como posso relaxar? Já entendi. Tu tá me chamando de mulher do cão, não é? Respeita ao menos teu finado pai. Ele era preto mas era limpinho.
– Afff! Não é isso, mãe. Pense. Você é uma mulher muito vivida.
– Tu tá me chamando de véia rodada, é?
– Não, mãe – respondeu a filha internauta – você só é desinformada.
– Tu tá me chamando de burra, é?
– Não, mãe, você não é burra, é só ignorante.
– O quêêê?!
– Mãe, relaxe! Ignorância não é ofensa. O problema é que você não sai da internet, fica assistindo esses vídeos de ódio…
– Tu tá me chamando de desocupada, é?
– Tá bom, mãe, desisto, fui!
A mãe trancou-se no quarto e foi ao Gúgli procurar a palavra “cãs”. Depois de alguns minutos, surpreendeu-se ao descobrir que “cãs” são apenas cabelos brancos. Mas, no seu caso, parece que o tempo não ajudou. O tempo não lhe deu nenhuma sabedoria. Apenas branqueou-lhe a memória e o preconceito.
