CARANGUEJO OU CARANGUEIJO?

 

Vitor de Athayde Couto

 

Mani chamou Anaís para um rolé na náite, mesmo odiando o machismo dos parnasianos que apelidam de “caçarola” a moto noturna com duas mulheres em cima:

 

— Não são poucos os botecos de Parnasia que oferecem carangueijos nos seus anúncios e cardápios. Dizem que esses crustáceos parnasianos são famosos pelo seu tamanho e sabor deltaico. Miga, nem queira saber o que é sabor deltaico. Acho que isso não significa nada, principalmente depois de um engradado de cerveja, quando qualquer sabor já foi.

 

— Haha. — Riu Anaís.

 

— Caranguejo, cozido na segunda água em diante, com sal comum da salina dos apicuns, é maravilhoso. Servido natural, no toc-toc, é a melhor forma de se comer caranguejo.

 

De uns tempos pra cá, Mani anda mêiqui revoltada com o processo que ela chama de “perda da identidade deltaica”, desde que o território de Parnasia foi invadido por uns chefs de fora. É tanto chef que não se vê mais índio.

 

— Esse pessoal fantasiado de dólmã começa inventando um caldo de pirão cheio de tempero. Ainda botam óleo de soja transgênica, que é mais barato. Só serve pra melar as mãos da gente na hora de quebrar os carango. Minha indignação aumentou quando um chef jurou que só usava óleo de canola, como se canola fosse uma criatura de Deus, rum! Pra mim, qualquer óleo só serve pra tirar o gosto do caranguejo. Com essa sojeira toda, as cidades estão ficando impregnadas com cheiro de frituras em óleo vencido.

 

Usando o direito que a lei confere ao cliente de visitar a cozinha, Mani descobre por que uns botecos oferecem caranguejos, e outros, carangueijos. Ela não sabia, até descobrir que, de fato, existe uma grande diferença entre caranguejo e carangueijo. Não se trata de ortografia. Trata-se mesmo é de gastronomia. Gastronomia gurmê.

 

— Então, qual é a diferença? — perguntou Anaís.

 

— Caranguejo é macho.

 

— E o resto é fêmea?

 

— Não. Fêmea é proibido pescar. O Ibama não deixa.

 

Anaís continuou sem entender e perguntou:

 

— Então?

 

— Ahá! Esse é que é o segredo. O segredo do empreendedorismo, haha. O empresário tem que inovar. Tem que inovar, senão perde a… perde a… com perdão desta palavra horrorosa… perde a fidelização do cliente, haha.

 

— E que inovação é essa? — insistiu Anaís, cada vez mais curiosa.

 

— Depeel… peeling, entendeu?

 

— Depilar o quê?

 

— Depilar o caranguejo, ora. Tirar todos aqueles cabelos do sovaco dele e criar um produto diferenciado, para um público não diferenciado, haha. Agrega valor.

 

— Para! Rachega!

 

— Não chega não. A inovação não para por aí. Além de combinar com full depilation de priquito, caranguejo depilado pega uns temperim que vão de alecrim a salsão. Sabe o que significa isso?

 

— ???

 

— Isso é excesso de cursos de empreendedorismo gurmê, haha. Uma vez depilado, não é mais caranguejo. É ca-ran-gay-jô! Entendeu agora a diferença?

 

— Ah… Confesso que nunca tinha pensado nisso. Estou cada vez mais convencida de que empreendedorismo é coisa de gênio, de gente talentosa. Então, é por conter hormônio feminino da soja que o comedor de carangueijo começa a falar fino, igual quando se comia o boi da cara preta? — perguntei a Mani, que acabou confirmando, e ainda acrescentou:

 

— Vêm mais inovações por aí: música de carnaval, spray engrossador de voz (pra quem foi e não gostou), celular com som regulável (voz grossa e voz fina), aplicativo com Global Positioning System (GPS) para localizar confrarias, estabilizador de saias em dia de ventania, disk-cafuné-de-macaco… Isso sim é empreendedorismo inovador: invente uma gororoba qualquer, escreva no cardápio “Gororoba Gurmê”. Depois, é só dobrar o preço. Faz o diferencial.

 

(próxima crônica: “QUEM PENSA QUE JÁ VIU TUDO NÃO CONHECE PARNASIA”)

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Escute o texto com a narração do próprio autor: