Série: O progresso que desumaniza

                                                 Capitulo II

                  Cemitério da Igualdade

O passado.

O relógio indica mais do que nove da noite… Invadindo o Cemitério da Igualdade, de passo em passo, e bem devagar, eu e mais alguns amigos, procuramos fantasmas, em plena sexta feira, de lua cheia… O silêncio é grande, e só não é completo, devido às fortes batidas do coração, que parece até que vai arrebentar o tórax e rasgar o peito de cada um destes moleques traquinas que aqui se encontram…

 Sem que os demais suspeitem, o último dos jovens, que adentra o cemitério, carrega uma pedra na mão, secretamente recolhida por ele, antes que todos entrassem…

Um olhar em meio ao frio e a escuridão, meio que nos deixa apreensivos, ao mesmo tempo em que a tal pedra oculta é arremessada em direção aos túmulos. Ao atingir a mármore (pertencente a mais um que passou “desta para melhor”), a pedra provoca um pequeno barulho, bem pequeno mesmo, mas o suficiente para amedrontar estes jovens aventureiros de mentes férteis e, agora, almas congeladas…

Segundos depois, a correria é grande, na busca de escapar dali, e sem olhar para trás, logo estamos… A correr mais do que bicicletas aceleradas, percorrendo a Rua Ademar Neves (nosso território de jogos e brincadeiras), e sorrindo, ao ver que a esquina de casa está próxima, e é onde estaremos, completamente a salvo…

 Minutos depois, lá estamos. No nosso “quartel general”, a esquina de casa, já de fôlego recuperado e coração relaxado… A conversar na esquina, sobre cemitérios e sustos, narrando histórias arrepiantes de fantasmas e assombrações, coisas estranhas e bizarras, lendas e folclores, verdades e mentiras…

Os dias atuais.

Retorno da casa de um amigo, no controle de minha Bizz.  É noite, e trafegando pela Avenida Capitão Claro (sentido Avenida São Sebastião), faço a curva pelo retorno da pracinha, adentrando a rua, onde na esquerda se localiza o Cemitério da Igualdade.

 Esboço um sorriso, ao contemplar o cemitério, que tanto estimulou minha imaginação, como também aguçou os meus mais profundos medos infantis e pré-adolescentes… Porém, antes que eu alcance a Ademar Neves, avisto ainda na calçada, quase que no fim do quarteirão, um grupo de caras, com atitude um tanto estranha.  E noto, para meu espanto, algo que mais parece um revólver, na mão de um deles.

Bom, se é um revolver ou não, acho que nunca saberei, pois disparo a toda velocidade, mais depressa que trem- bala, percorrendo o caminho até a esquina de minha velha ex-casa, sem olhar pra trás, e não deixando de perceber o deserto que prevalece neste dias de hoje…

Que bom era o tempo em que procurávamos “mortos”, ao invés de hoje, que nem ao menos encontramos uma “viva alma”, para contar a história!

 A rua, mais parece o cemitério do qual fujo, e que sempre fugi! Isto me faz perceber, o quanto, atualmente, as pessoas se reservam em suas casas, entregando-se aos computadores ou a tantas outras invenções que a modernidade fez surgir… Encasteladas, resguardadas em seus próprios domínios, sem nem ao menos terem contato com sua vizinhança ou amigos… O medo que antes existia apenas nas lendas, assombrações e no cemitério da Igualdade, ou seja, aquele medo do sobrenatural foi lentamente sendo substituído por outro tipo de medo, o medo da violência, que o progresso e o crescimento constante (e desordenado) da cidade trouxeram, e que tomou conta não apenas de certos locais ou mentes férteis… Espalhou-se por toda a região, desde o cemitério, percorrendo toda a extensão da rua até alcançar a esquina, o bairro e todos os lugares… Assim como a todas as pessoas.

Claucio Ciarlini Neto